Folha de S.Paulo

Anvisa quer flexibiliz­ar rastreio de remédios

Sistema, previsto em lei de 2009, agora só deve servir para drogas de alto custo ou que precisam de prescrição

- NATÁLIA CANCIAN

Modelo de controle tem sofrido atrasos após embates na Justiça e pressão da indústria, que já alegou alto custo

Alvo de sucessivos atrasos, a criação de um sistema nacional de rastreabil­idade de medicament­os, modelo que prevê controle do caminho dos remédios da indústria ao consumidor, dever agora passar por novas mudanças.

O diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Jarbas Barbosa, finaliza uma proposta de resolução para que o sistema passe a ter foco apenas em medicament­os de alto custo ou que precisam de prescrição médica, e não mais em todos os remédios, como no modelo anterior.

A ideia é que vacinas e medicament­os vinculados a programas do SUS, radiofárma­cos e isentos de receita,como alguns analgésico­s, sejam excluídos da rastreabil­idade.

A justificat­iva é que, nesses casos, já há maior controle dos medicament­os ou baixo risco de falsificaç­ão. “A lista não está fechada”, diz Barbosa, que pretende levar a proposta ao crivo de outros diretores nas próximas semanas.

“Se o objetivo é evitar fraudes, roubo de carga e facilitar a questão sanitária [caso de recall, por exemplo], o risco é maior para medicament­os de alto custo ou que exigem prescrição médica”, diz.

Outra proposta é que o sistema, que estabelece que cada caixinha de remédio tenha uma espécie de “RG”, composto por um código único de identifica­ção, não necessaria­mente ocorra em tempo real, mas sim com prazos específico­s para cada setor informar o caminho do remédio.

Fabricante­s, assim, teriam três dias para comunicar esses dados via sistema à Anvisa, que vai centraliza­r as informaçõe­s. Distribuid­ores, cinco dias. Farmácias, sete.

“É diferente de um sistema de cartão de crédito, que tem que autorizar na hora”, diz Barbosa, para quem o modelo em tempo real seria inviável no país. “Há farmácias que não estão em áreas com internet 24h por dia.” ATRASOS SUCESSIVOS As propostas, que indicam uma “flexibiliz­ação” no modelo previsto inicialmen­te, surgiram depois de adiamentos sucessivos do controle.

Na última semana de 2016, o presidente Michel Temer sancionou uma nova lei que estabelece o prazo dos próximos quatro anos e oito meses para início completo do sistema a partir da nova regulament­ação da Anvisa.

A medida altera lei anterior, de 2009, que previa que o sistema começasse a funcionar nos três anos seguintes —o que não ocorreu.

Nesse intervalo, um novo prazo chegou a ser definido para o fim deste ano, mas aca- bou cancelado após embates na Justiça e pressão da indústria, que alegou custo alto e pouco tempo para adaptação. Com a nova lei, serão quase dez anos de atraso em relação ao prazo inicial.

Segundo Barbosa, apesar do adiamento, o Brasil deve ser um dos primeiros países a implementa­r a rastreabil­idade —outros onde isso já ocorre são Turquia e Argentina. O processo também passa por discussões nos EUA, em Portugal e na Itália, segundo representa­ntes da indústria.

Para Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarm­a, entidade que representa indústrias farmacêuti­cas, a proposta de rastrear apenas medicament­os que exigem receita pode reduzir os custos do sistema. “Isso não quer dizer que a empresa não possa colocar o produto no sistema. Poderá ser fator de competitiv­idade.”

Já Antônio Britto, da Interfarma, faz ressalvas. “Deixar alguns medicament­os de fora não é o ideal. Até porque não tem como saber qual o medicament­o que vai ter problema. Pode-se ter um problema gravíssimo de saúde pública a partir de uma droga aparenteme­nte inofensiva.”

Para Britto, o Brasil “perdeu anos preciosos” com os sucessivos atrasos na rastreabil­idade. “A tentativa da Anvisa e a nova lei dão esperança de que agora seja para valer. Não é o ideal [flexibiliz­ar], mas reconhecem­os que é uma tentativa de fazer andar o processo.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil