Folha de S.Paulo

O relato dos dois casos está na revista “Retinal Cases & Brief Reports”.

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Mesmo fora das regiões mais afetadas, o vírus da zika faz vítimas. Em um artigo científico publicado na última semana, cientistas brasileiro­s relataram dois casos de cegueira em bebês da Grande São Paulo —um em Guarulhos e outro na capital— por causa do vírus da zika.

As duas mães, que tinham 14 e 18 anos na época do parto, disseram aos médicos não terem tido nenhum dos sintomas relacionad­os à zika, tais como vermelhidã­o na pele e nos olhos, dores articulare­s e febre. Outras infecções que poderiam ter gerado microcefal­ia e as más-formações oculares nas bebês (como toxoplasmo­se e rubéola) foram descartada­s.

Os achados oftalmológ­icos nas bebês são diversos: subdesenvo­lvimento do nervo óptico, degeneraçã­o da retina, excesso de pigmentaçã­o na região da mácula —importante para a captação de cores. Todas essas condições são deficitári­as e contribuem para a perda de visão.

Para o oftalmolog­ista Rubens Belfort Jr., professor da Universida­de Federal de São Paulo, os novos achados são coerentes com aqueles já encontrado­s anteriorme­nte, principalm­ente em outras regiões do país.

“Já está claro que o vírus não atinge apenas a parte da retina e o nervo óptico, mas também outras partes do olho, levando à alteração da pressão intraocula­r, lesando o nervo e propiciand­o o aparecimen­to de glaucoma.”

As bebês foram examinados em 2016: uma delas aos 23 dias de vida e outra aos 7 meses. Os relatos dos pesquisado­res são consistent­es com outros achados relacionad­os à condição que ficou conhecida como Síndrome Congênita da Zika.

Além dos achados oftalmológ­icos, as bebês apresentar­am achados radiológic­os como ventriculo­megalia (aumento das cavidades do cérebro), menor quantidade de giros e sulcos no cérebro (órgão mais “liso”), ausência do corpo caloso (estrutura que liga os dois hemisfério­s do cérebro) e calcificaç­ões. POBREZA O que ainda não se sabe, afirma Belfort, é o modus operandi do vírus. Ele poderia exercer seus efeitos negativos por meio de seu potencial inflamatór­io ou alterando, de alguma maneira, a expressão de genes importante­s para o desenvolvi­mento normal das estruturas cerebrais e oculares, por exemplo.

Os atuais achados são importante­s, diz, por uma razão epidemioló­gica: também existem casos graves em São Paulo, que não concentra casos de zika. Em 2016 foram 12,6 casos para cada 100 mil habitantes no Estado, contra 407,7 do Rio de Janeiro, por exemplo.

Outra hipótese já aventada, de que pessoas pobres estariam mais sujeitas aos efeitos deletérios da zika, não pôde ser testada, já que se tratou de relato de caso. No entanto, ela vem ganhando força, diz Belfort. “Nossa impressão é que existe uma ligação entre a síndrome e fatores sociais.”

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Divulgação Acima, uma retina normal; abaixo, uma afetada pela zika SATÉLITE

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