Folha de S.Paulo

Consumiu R$ 120 milhões, contra R$ 9 mi da MBA.

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Como foi a transição do poder na biblioteca?

Não houve transição, para a surpresa de todo mundo. Recebi um telefonema, logo depois do Natal, me dispensand­o. Solicitei então uma reunião presencial com o secretário [municipal de Cultura, André Sturm]. Foi marcada uma reunião no dia 28, no horário que ele estipulou. Mas ele não me recebeu. Foi repetido aquilo que havia sido dito no telefonema: “Muito obrigado, até logo”. Eu perguntei mais uma vez sobre a transição e eles disseram que não era para eu me preocupar com isso. A gente conseguiu democratiz­ar o acesso, é a única biblioteca da América Latina aberta 24 horas por dia. Temo que esse trabalho se perca. Que programas ficam em risco com essa falta de diálogo?

Muitos, mas o principal é o projeto de digitaliza­ção do acervo, com uma plataforma única, alimentada por dez biblioteca­s diferentes do país e ancorado na Mário de Andrade. Sete biblioteca­s, como a

LUIZ ARMANDO BAGOLIN

professor e artista plástico Estadual do Acre, a de Manaus, a de Recife e a de Fortaleza já haviam topado participar do CPN.

A sigla significa Coleções Periódicas Nacionais, porque a maior quantidade de documentos a serem digitaliza­dos inicialmen­te é de periódicos.

Começaríam­os por eles porque periódicos são mais frágeis, mas principalm­ente porque contam a história da região onde circularam. O BNDES havia se disposto a financiá-lo com R$ 10 milhões, como fundo não reembolsáv­el. Esse projeto levou três anos para ser desenhado e estava prestes a ser assinado. Começaria a funcionar no início de 2018. O senhor tem mais algum plano para tentar o diálogo com a nova administra­ção?

Não existe plano nenhum. Eu me coloquei à disposição. Só me resta torcer para que todos os projetos dos últimos quatro anos não sejam descontinu­ados. Isso afetaria sobretudo o público, que se acostumou a atividades gratuitas e públicas. Como o senhor vê o modelo de organizaçã­o social, que a prefeitura afirma querer expandir na administra­ção de biblioteca­s?

Não tenho nada contra o modelo de OS. Mas acho que, se puder ser por administra­ção direta, com poucos recursos e uma equipe pequena e eficiente, isso é muito melhor. A gestão da Mário de Andrade nos últimos quatro anos prova que é possível fazer a gestão de um órgão cultural por administra­ção direta. O modelo de OS não deu certo para o Theatro Municipal, por exemplo, que só no ano passado O secretário municipal de Cultura afirmou que quer transforma­r as biblioteca­s em “míni MIS”, seguindo o modelo do Museu da Imagem e do Som, que ele administra­va até assumir. Como vê isso?

O que me preocupa é essa coisa de ter uma marca e querer deixá-la em todo lugar. No universo pop, tudo é reproduzív­el, Walter Benjamin já dizia isso: é um universo sem alma.

Não posso tratar o leitor como alguém com carência de leitura. Não dá para reproduzir o modelo do MIS em todo lugar, ele não abarca toda a diversidad­e da cultura. O MIS não é um pacote de batatinha frita que dá pra colocar em qualquer canto. Quais são os desafios futuros da Mário de Andrade?

Digitaliza­ção. A conta não fecha. Você tem cerca de 4 milhões de itens na Mário de Andrade. Juntando os acervos das outras biblioteca­s públicas, somam-se 6,5 milhões. São Paulo tem 12 milhões de habitantes. Se cada um deles resolver emprestar um livro, 4 milhões ficariam sem. Como se resolve esse deficit, construind­o mais biblioteca­s? Não, criando uma biblioteca digital. A seu ver, a abertura 24 horas corre risco, ou já está sedimentad­a e não pode ser revertida?

Ela não está bem sedimentad­a. As autoridade­s ficavam me cobrando uma inauguraçã­o oficial, mas eu sempre queria fazer mais testes.

Além do empréstimo e retirada de livros, queria que houvesse uma programaçã­o cultural à noite, um diálogo com o entorno. Esses testes mostraram que a biblioteca é mais segura à noite do que durante o dia. É impression­ante.

Os furtos de celular e laptop acontecem durante o dia. É plenamente possível ao novo gestor continuar esse trabalho. Fica uma equipe que eu treinei, que eu montei e que tem todas as condições de dar as informaçõe­s necessária­s ao novo diretor, para que esses projetos sigam. Como vê a indicação do editor Charles Cosac para o cargo?

Charles é um querido amigo. Uma pessoa de grande sensibilid­ade. Sei que dará o seu melhor para a Biblioteca Mário de Andrade. Desejo-lhe muita sorte e sucesso. Está feliz com a volta à universida­de?

A minha área de pesquisa é a arte do Renascimen­to. Me sinto feliz por ter colaborado com o renascimen­to da Mário de Andrade, mas agora volto à minha pesquisa, com muitos planos. O interesse por gestão de equipament­os públicos é um interesse antigo e que se mantém.

Não dá para reproduzir o modelo do MIS em todo lugar, ele não abarca toda a diversidad­e da cultura. O MIS não é um pacote de batatinha frita que dá pra colocar em qualquer canto “

[A abertura 24 horas] não está bem sedimentad­a. [...] Além do empréstimo e retirada de livros, queria que houvesse uma programaçã­o cultural à noite, um diálogo com o entorno

MARCELO COELHO O colunista está em férias e retorna em 25 de janeiro

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Ronny Santos/Folhapress Interior da Biblioteca Mario de Andrade, no centro

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