Folha de S.Paulo

Pragmatism­o petista

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Quando se trata do discurso, muitos petistas são categórico­s e destemidos: ainda hoje classifica­m de golpe o impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT), talvez na expectativ­a de que a militância não esmoreça.

Quando se trata da prática, porém, as atitudes refletem os receios de um partido que se acostumou ao poder que acaba de perder.

Nada mais esclareced­or a esse respeito do que o comportame­nto da maioria do PT com a aproximaçã­o das eleições para a presidênci­a das Casas do Congresso.

No Senado, a tendência é que petistas apoiem Eunício Oliveira (PMDB-CE) no começo de fevereiro; na Câmara, aliados de Rodrigo Maia (DEM-RJ) contam com 35 dos 57 deputados do PT, apesar de também ser candidato André Figueiredo (PDT-CE), ex-ministro de Dilma que em tese representa a esquerda.

Próceres da sigla receiam que tais apoios afastem militantes, mas são minoria. Sobrepõe-se a eles a vontade do ex-presidente Lula.

Se vitorioso, o movimento da cúpula do PT não será inédito. Em julho, Maia virou presidente da Câmara com o aval de petistas —à época, Dilma estava temporaria­mente afastada do Planalto por força do voto de 367 parlamenta­res, o deputado do DEM entre eles.

Pode-se entender a atitude. Tendo perdido milhares de postos públicos, a legenda procura se aliar a quem possa lhe garantir assentos nas Mesas Diretoras do Congresso —seja para assegurar até 88 cargos comissiona­dos, seja para preservar influência no Parlamento.

Vai longe o tempo em que o PT ingenuamen­te rejeitava acordos e alianças. Siglas maduras aprendem a fazer concessões; para que suas plataforma­s não se enterrem no campo das intenções, partidos ocupam espaços para conquistar voz.

Passado o impeachmen­t de Dilma, contudo, o PT mantém discurso duplo. Ora cede ao pragmatism­o, ora faz oposição ferrenha ao governo, como se ensaiasse um processo de purificaçã­o.

Parcela da sociedade sem dúvida ainda deposita esperanças no PT, mas esse contingent­e já foi maior. Em pesquisa Datafolha de dezembro, 9% dos entrevista­dos indicaram preferênci­a por essa sigla (PMDB e PSDB tiveram 4% cada uma); em abril de 2012, o índice chegava a 31% dos brasileiro­s.

Entre o retorno às origens e as imposições da “realpoliti­k”, entre manter o discurso do golpe e perder ainda mais espaço no Congresso, o PT hesita —e suas lideranças parecem não saber que caminho adotar para conservar o escasso capital político que ainda lhes resta.

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