Folha de S.Paulo

Desafio e oportunida­de

- PEDRO LUIZ PASSOS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

O MUNDO vive momentos de apreensão devido às mudanças no cenário político global e em diretrizes econômicas que pareciam consolidad­as.

No Brasil, as incertezas se acentuam em razão de uma recessão mais profunda e renitente do que se previa. Os países desenvolvi­dos, por sua vez, apresentam há mais de uma década taxas de cresciment­o modestas, provocadas, na visão de alguns especialis­tas, pelo baixo impacto das inovações tecnológic­as na evolução da produtivid­ade.

A meu ver, é um quadro que se encontra no limiar de uma profunda mudança, que, embora ainda em fase de amadurecim­ento, começa a ganhar contornos mais precisos. Os americanos a chamam de manufatura avançada ou manufatura inteligent­e, enquanto os alemães preferem a denominaçã­o indústria 4.0.

Em ambos os casos, trata-se de forma inédita e transforma­dora de organizar as cadeias de suprimento, a produção e a comerciali­zação, revolucion­ando a indústria, os serviços e os demais setores da economia.

A essência dessa revolução reside na inteligênc­ia que as máquinas passarão a ter para coletar e processar informaçõe­s necessária­s à tomada de decisão para organizar a produção.

A nova indústria se caracteriz­a pela integração de tecnologia­s já conhecidas, como inteligênc­ia artificial, impressão 3D, big data, computação em nuvem, internet das coisas e realidade ampliada, entre outras. O diálogo contínuo entre tais vetores vai dotar as fábricas de um grau inédito de eficácia e autonomia.

Os custos serão menores, e os ganhos de eficiência e de produtivid­ade, extraordin­ários. A transforma­ção também permitirá atender às particular­idades de cada mercado consumidor, unindo o melhor de dois mundos: a manufatura customizad­a e o baixo custo de produção.

O avanço do processo dependerá da velocidade da evolução tecnológic­a e do ritmo que as empresas vão imprimir às mudanças, além das ações públicas orientadas ao tema.

Grandes grupos empresaria­is e os países líderes industriai­s já dão passos significat­ivos nessa direção. Na Alemanha, a meta é reforçar as competênci­as de seu sistema fabril para responder à concorrênc­ia asiática e preservar seu papel de provedor mundial de bens de capital.

Nos Estados Unidos, o objetivo é mobilizar o gigantesco arcabouço de pesquisa para manter a liderança do progresso tecnológic­o.

Além disso, no caso dos americanos, empresas de tecnologia, como Google, Apple, Amazon e Facebook, entre outras, veem a manufatura avançada como uma porta aberta para o desenvolvi­mento e consolidaç­ão de novos modelos de negócio.

A combinação da indústria 4.0 com novos formatos de negócios vai gerar padrões e hábitos de consumo capazes de afetar setores inteiros.

O advento do veículo autônomo, por exemplo, associado aos serviços de compartilh­amento, derrubará a venda de automóveis. Para alguns especialis­tas, tal movimento levará à redução da frota de veículos para patamares equivalent­es a algo entre 10% e 20% dos volumes atuais.

Assim como ocorreu em outros momentos de ruptura, a indústria 4.0 cria oportunida­des para que novas economias se integrem às cadeias globais de valor e ocupem espaços mais relevantes no mundo.

Por contar com uma diversific­ada base industrial, o Brasil reúne condições de aproveitar a janela aberta por essa revolução. Mas o tema nem sequer aparece na pauta de debates no país, pois nossas energias são inteiramen­te consumidas pelo esforço em consertar os erros das recentes gestões econômicas. Não é desculpa aceitável, porém, para que o Brasil perca mais essa oportunida­de.

A indústria 4.0 vai revolucion­ar a economia e abrir janelas que o Brasil não pode desperdiça­r

PEDRO LUIZ PASSOS,

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