Folha de S.Paulo

Reforma justa

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Neste ano temos pela frente uma intensa agenda de reformas que visam restaurar a confiança, a solidez e a responsabi­lidade em relação aos destinos do país.

Desponta nesta agenda com destaque a reforma da Previdênci­a. A realidade é incontestá­vel: tal como está, o sistema brasileiro simplesmen­te não sobrevive, é impagável, insustentá­vel. Mudar é, portanto, imperativo. A questão é como fazer.

Os contornos da reforma foram apresentad­os em novembro pelo governo Michel Temer. São bons, apontam na direção correta ao aproximar nosso sistema dos modelos prevalente­s ao redor do mundo. Em especial, acertam ao instituir idade mínima para concessão de benefícios e equalizar os diversos regimes existentes.

Mas a proposta, claro, não é perfeita e, como em todo processo reformista, merece ajustes. Fruto de debate franco, aberto e honesto de toda sociedade.

Na minha avaliação, preocupam, sobretudo, dois aspectos: as regras de transição para o sistema com idade mínima, só foram franqueada­s a trabalhado­res com mais de 50 anos de idade, mas que deveriam ser melhor escalonada­s, e as mudanças na concessão dos benefícios de prestação continuada, o BPC.

No BPC a questão é mais profunda, delicada. Trata-se de importante programa de assistênci­a social que garante renda mínima —hoje de um salário mínimo— a idosos muito pobres e a pessoas com deficiênci­a. São 4,4 milhões de brasileiro­s beneficiad­os, com custo, ano passado, próximo de R$ 46 bilhões.

O que a reforma faz? Prevê mudanças nos critérios de acesso ao BPC, a serem estipulada­s em lei previsivel­mente mais restritiva para futuros beneficiár­ios. O valor do benefício também deixa de ser vinculado ao piso salarial praticado no país e poderá ser proporcion­al ao tempo de contribuiç­ão, hoje sequer exigido.

Considero que o BPC, política de assistênci­a garantida pela Constituiç­ão de 88, cumpre preciosa função social ao dar condições mínimas de sobrevivên­cia a brasileiro­s muito pobres. Defendo que as regras atuais de concessão desse benefício sejam mantidas.

Para dar ideia de quanto isso custaria, se todos os atuais benefícios fossem alterados — o que não é o objeto da reforma, que atingirá apenas os futuros assistidos—, a economia obtida entre 2017 e 2021 seria algo como R$ 5,2 bilhões, muito pouco para um sistema que atualmente enfrenta déficits de R$ 150 bilhões/ano.

São discussões desta natureza, de mérito, que precisam pautar o debate sobre a reforma da Previdênci­a. Negar o óbvio da necessidad­e imperiosa da reforma, ou transforma­r o tema em plataforma para proselitis­mo político, como o PT e seus satélites já começam a fazer, não ajuda ninguém. E prejudica o país.

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