Folha de S.Paulo

Na Jordânia, sírios esperam fim da guerra

‘Cidade’ com 80 mil refugiados recebe vítimas do conflito, que dura quase seis anos e provoca crise humanitári­a

- FERNANDA PEREIRA NEVES

Campo de Zaatari, o segundo maior do mundo, tem condições boas, mas famílias descrevem vida de tédio

Carros, bicicletas e pessoas brigam por um espaço na principal rua do campo de refugiados de Zaatari, no norte da Jordânia. Sem calçada e com o asfalto tomado por terra, a via acumula fileiras de lojas feitas de madeira em ambos os lados, ofertando os mais variados produtos: sapatos, comidas, adaptadore­s de tomada, vestidos de festa. Alguns novos, outros já bem usados.

Montado há quatro anos e meio, no meio do deserto, o vilarejo mantém um dinamismo que quase faz esquecer que ali está o segundo maior campo de refugiados do mundo e o maior a receber vítimas da guerra da vizinha Síria, que dura quase seis anos e provoca a maior crise humanitári­a desde a Segunda Guerra.

Ao contrário do que ocorreu com outros campos de refugiados, como o de Calais, na França, e Idomeni, na Grécia, ambos fechados em 2016, Zaatari dá sinais de que perdurará por um longo período.

Mesmo com a fronteira com a Síria fechada há meses e com a construção de mais dois campos de refugiados na Jordânia, Zaatari abriga cerca de 80 mil pessoas e se assemelha a uma cidade.

As tendas e estruturas metálicas cedidas pela ONU ganham novos cômodos, “puxadinhos” feitos pelos refugiados para melhor acomodar a família.

“Era muito difícil usar banheiro e cozinha comunitári­os. Eu brigava bastante com meu marido, pedia pra voltar pra Síria”, conta Yasmeen Juma’a, 24, que está no campo há quatro anos e agora tem fogão, geladeira, televisão e máquina de lavar roupas.

O abastecime­nto de água e luz é regular. Caminhões-pipa abastecem reservatór­ios e a energia é ligada todas as noites, por cerca de seis horas.

Meninos e meninas alternam os períodos de aula nas escolas e lotam parques e quadras durante feriados e finais de semana.

Um dos hospitais mostra em sua entrada o total de partos já realizados. Mais de 6.000 novos sírios, nascidos já como refugiados. BENEFÍCIOS Sem trabalho, recebem ajuda de custo a cada 45 dias. O valor varia de acordo com o perfil de cada família.

Fatma al-Ahmed, 35, que vive em Zaatari desde agosto de 2013 com o filho de 12 anos, por exemplo, recebeu 40 dinares jordaniano­s —cerca de R$ 182— no dia em que conversou com a reportagem. “Vai dar só para açúcar, chá, óleo, comida mesmo.”

Algumas pessoas conseguem complement­ar a renda com negócio próprio, trabalhos temporário­s em ONGs ou em fazendas da região.

Para isso, a administra­ção do campo concede visto de trabalho para que seja possível sair e voltar todos os dias.

Apesar disso, o dia a dia da maior parte dos adultos se resume a esperar. Alguns, pelo fim da guerra na Síria, outros, pela possibilid­ade de seguir para outro país —e há ainda quem só espere, sem objetivo claro. “É uma vida entediante”, diz Aedl Toqan, 30, no campo há três anos com a mulher e quatro filhos —dois nascidos em Zaatari. CERCADOS Localizado próximo à estrada que liga a Jordânia ao Iraque, o campo é quase todo cercado. Muros cinzas e grafitados com cores berrantes se alternam com grades, sempre com arame farpado no topo.

Mesmo no interior do campo, novas cercas aparecem para separar a área administra­tiva, escolas, hospitais e os centros de distribuiç­ão.

A principal janela que os refugiados tinham para o resto do mundo não funciona desde fevereiro do ano passado. Sem internet, meninos passam horas perto de muros que separam a área administra­tiva, com celulares, tentando um pouco de sinal.

Segundo um guarda do local, o bloqueio acontece por questão de segurança, para evitar que sejam passadas informaçõe­s do campo a membros da facção terrorista Estado Islâmico. JAIME SPITZCOVSK­Y Excepciona­lmente, a coluna não é publicada hoje

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Crianças sírias brincam no campo de refugiados, que já teve mais de 6.000 nascimento­s
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Fotos Muhammad Amed - 30.nov.2016/Reuters Sírios de bicicleta na rua principal do campo de Zaatari

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