Folha de S.Paulo

Em 3º massacre do ano, 26 morrem no RN

Número de assassinat­os em presídios do país chega a 134 em 2017; nova briga de facções deu início a rebelião

- ESTELITA HASS CARAZZAI FRANCISCO COSTA

Segundo instituto de perícia, quase todos os corpos foram decapitado­s e dois foram carbonizad­os

Pelo menos 26 presos morreram em uma rebelião que aconteceu neste sábado (14) na penitenciá­ria de Alcaçuz, que fica na região metropolit­ana de Natal (RN) e é a maior do Estado.

É o terceiro massacre do tipo neste ano. Com ele, o número de assassinat­os em presídios pelo país chega a 134 nos primeiros 15 dias de 2017. As mortes já equivalem a mais de 36% do total registrado em todo o ano passado. Em 2016, foram 372 assassinat­os —média de uma morte por dia nas penitenciá­rias do país.

O Estado do Amazonas lidera o número de mortes em presídios com 67 assassinat­os, seguido por Roraima (33).

A rebelião começou no fim da tarde de sábado (14), motivada por uma briga de facções: segundo o governo, entre membros do PCC (Primeiro Comando da Capital) e do Sindicato do Crime, uma dissidênci­a do PCC surgida por volta de 2012 da qual todas as vítimas faziam parte. O motim foi controlado por volta das 8h (horário de Brasília).

As duas facções lutam pelo domínio do sistema carcerário no Estado, especialme­nte em Alcaçuz, de acordo com o advogado Gabriel Bulhões, da Comissão de Advogados Criminalis­tas da OAB-RN.

Quase todos os corpos foram decapitado­s. Dois foram carbonizad­os e outro foi parcialmen­te carbonizad­o, segundo Marcos Brandão, diretor do instituto de perícia do Rio Grande do Norte.

Mais de 24 horas depois do início do conflito, os corpos dos presos continuava­m dentro do presídio. As vítimas começarão a ser identifica­das a partir de segunda (16) e o trabalho todo durará 30 dias.

Após o fim da rebelião, presos gritavam dizendo que estavam sem água. Em frente, mulheres diziam que dormiriam na porta do presídio até o governo fornecer informaçõe­s completas sobre quantos presos estavam vivos e quantos estavam mortos.

“A gente não esperava. Ficamos sem saber quem morreu”, diz Marinês Conceição, mulher de um detento. Familiares organizara­m um culto ecumênico durante a madrugada, com canções e rituais de diferentes religiões.

Depois do massacre, o secretário de Justiça e Cidadania do Rio Grande do Norte, Walber Virgulino, afirmou que é “muito difícil o Estado evitar” a morte de detentos. “A secretaria tomou o cuidado necessário”, disse, questionad­o sobre a responsabi­lidade do governo sobre a rebelião.

“Sistemas penitenciá­rios são de detenção. Você não tem como ter certeza de 100% que um preso não vai matar outro, que ele não vai fugir ou que ele não vai se rebelar. São pessoas com um nível de violência gigantesco. Se a gente antecipar, a gente consegue evitar”, afirmou Virguli-

MARINÊS CONCEIÇÃO

parente de detento do presídio de Alcaçuz, no RN

É uma situação triste. A gente não esperava. Ficamos sem saber quem morreu

no, que disse que dificuldad­es estruturai­s e de efetivo dificultam o trabalho da pasta.

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou, por meio de nota, que “lamenta” as mortes na rebelião. HISTÓRICO DE FALHAS Construído sobre dunas, a penitenciá­ria registra fugas frequentes: basta cavar um túnel na areia para sair. Além disso, como as dunas se movem com o vento, o acesso ao presídio fica facilitado.

A Penitenciá­ria de Alcaçuz abrigava 1.083 presos, mas tem capacidade para apenas 620, segundo dados da Secretaria de Justiça. A situação se repete em todo o Estado. O Rio Grande do Norte tem praticamen­te duas vezes mais internos do que deveria. São cerca de 8.000 detentos, em 32 unidades prisionais, com capacidade para 4.400 pessoas.

Em 2016, o Estado viveu uma crise de segurança pública, com ataques a ônibus.

Em abril de 2013, o então presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Joaquim Barbosa, disse, em visita a Natal, que os presídios do Estado “estão entre os mais graves do país” e “não respeitam padrões mínimos de dignidade”.

Thiago Amâncio Ano inteiro de 2016 De 1º a 15.jan.2017 Número representa cerca de 36% do total de mortes do ano passado ONDE OCORRERAM AS MORTES EM 2017 33 2 Penitenciá­ria Presídio Agrícola Romero de Monte Nóbrega Cristo 67 Complexo Penitenciá­rio Anísio Jobim (Compaj) (59 mortes), Unidade Prisional de Puraquequa­ra (4) e Cad. Pública Des. Raimundo Vidal Pessoa (4) 2 mortos durante fuga na Penitenciá­ria Estadual de Piraquara; houve troca de tiros com a PM 26 Penitenciá­ria de Alcaçuz

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Andressa Anholete/AFP Corpos sendo removidos neste domingo (15) da penitenciá­ria de Alcaçuz, no RN, onde uma rebelião deixou 26 mortos

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