Realidade virtual auxilia atletas a praticar ‘ginástica’ para o cérebro
Profissionais usam videogame para tentar melhorar cognição e desempenho
As esferas amarelo-limão na tela não se parecem em nada com os linebackers dos quais Matt Ryan, quarterback da equipe de futebol americano Atlanta Falcons, tenta escapar a cada semana. E elas tampouco se parecem com um jogador da Liga Inglesa de futebol correndo pelo gramado, ou com um disco disparado sobre o gelo em uma partida da NHL, liga de hóquei sobre gelo dos EUA. Se elas se parecem com alguma coisa, é com bolas de tênis.
A beleza do design do NeuroTracker —videogame projetado para reforçar a capacidade cognitiva da mesma maneira que exercícios com halteres reforçam os músculos— está supostamente em sua simplicidade. Ao pedir aos seus olhos que acompanhem esferas que saltitam por uma tela tridimensional, atletas podem preparar seus cérebros para funcionar de uma maneira impossível de reproduzir em qualquer outra forma de exercício.
Pelo menos era esse o objetivo de Jocelyn Faubert ao criar o NeuroTracker em seu laboratório de pesquisa optométrica na Universidade de Montreal, em 2009. Sua inspiração foi o Lumosity, um jogo de exercício para o cérebro altamente popular. Ele define essas capacidades cognitivas subestimadas como “ginástica para o cérebro”.
“O sistema força o usuário a empregar certas redes de memória, redes de atenção, redes de processamento de movimento”, disse Faubert.
O programa está em uso em 550 centros de treinamento de elite em todo o planeta, que representam uma vasta paisagem esportiva.
Ryan, que nesta temporada é o segundo entre os quarterbacks da National Football League (NFL), a liga de futebol americano profissional dos Estados Unidos, em passes e touchdowns, disse que treina com o NeuroTracker ao menos três vezes por semana.
“Passamos muito tempo trabalhando em nossos corpos”, afirma Ryan. “Mas é igualmente importante ter a mente trabalhando em alto nível. Isso é essencial como quarterback, ser capaz de ver muito rápido as coisas e como elas se relacionam umas às outras “,disse Ryan.
O Manchester United investiu US$ 80 mil para instalar um NeuroTracker em seu centro de treinamento. AFederação de futebol dos Estados Unidos, usou o programa para testar mais de sete mil jogadores juvenis, desde 2014.
Os atletas podem usar o sistema enquanto treinam dribles com uma bola de basquete ou tentam se equilibrar sobre uma prancha móvel. Os resultados do treinamento podem ser divulgados, o que estimula competição entre os jogadores. Usando óculos 3D, é possível praticar em qualquer lugar —no vestiário, em casa, no carro.
Mas enquanto o NeuroTracker se tornava uma espécie de panaceia para o desempenho esportivo, o número de céticos quanto às suas virtudes também cres- cia, e alguns deles apontam que um placebo executado cuidadosamente poderia produzir as mesmas avaliações entusiásticas —e conduzir a sofrimento quando o efeito desaparecer, mais tarde.
Os críticos afirmam que é a simplicidade do jogo que permite que os usuários percebam resultados nem sempre reais, ocupando o vazio da mesma maneira que uma pintura minimalista pode inspirar profunda introspecção.
Eles apontam para a falibilidade de uma simulação que se vangloria de benefícios extraordinários para quarterbacks de elite, meiocampistas de futebol e goleiros de hóquei —atletas de esportes distintos e não relacionados. A incredulidade está associada a fissuras na fundação do segmento de jogos para o cérebro, que vem enfrentando crescente escrutínio sobre afirmações que muita gente vê como dúbias, sobre a falta de provas científicas quanto a seus resultados, e sobre práticas de marketing enganosas.
Em uma tarde de outubro, Faubert mostrou a salinha próxima de seu escritório que abriga o NeuroTracker original, um espaço chamado Cave Automatic Virtual Environment, conhecido simplesmente como CAVE [caverna]. O nome é apropriado —trata-se de uma sala escura e fria, exceto pelo brilho de uma tela de 2,70 por 2,70 metros na ponta oposta de um sombrio cubículo delimitado por três divisórias.
Oito esferas numeradas saltitam aleatoriamente em torno de um cubo, que o jogador vê por meio de óculos. No começo, quatro das esferas serão vermelhas, indicando que aquelas são as esferas que devem ser acompanhadas. Mas o vermelho só dura um segundo. Logo elas voltam a ser amarelas, e depois se dispersam em meio às curvas, colidindo com o cubo e as demais esferas, como bolas de bilhar dispersadas na mesa depois da tacada inicial.
Depois de oito segundos, uma mensagem pede que você recorde os números das esferas que começaram vermelhas. Não é mais complicado que um daqueles jogos de cartas jogados nas esquinas das grandes cidades, que envolvem descobrir embaixo de qual das três cartas está escondida a moeda. Mas o teste de seguir quatro objetos em rápido movimento é notavelmente rigoroso, desafiando as capacidades visuais e perceptuais, e sistemas cognitivos como a conscientização espacial, concentração e memória funcional.
Faubert eleva a velocidade aos poucos, intensificando os saltos das esferas, tornando mais e mais difícil acompanhar seu movimento. Para cada resposta correta, você avança um nível; quando a resposta é incorreta, você cai: a velocidade se reduz. No final de um teste de oito minutos, você recebe seu placar.
A maioria dos clubes prefere não falar sobre seu uso do NeuroTracker —que só tem um porta-voz publicitário pago, Aaron Cook, atleta do taekwondo olímpico—, provavelmente por medo de perder sua vantagem competitiva.
PAULO MIGLIACCI