Folha de S.Paulo

“O STUART NO BRASIL - M3/M3A1 E DERIVADOS”

-

Em 2016, o tanque de guerra completou seu centenário, não só de invenção, mas também de uso em combate. Ele foi criado pelos britânicos para lidar com o impasse da guerra de trincheira­s na frente ocidental na Primeira Guerra Mundial (19141918). Tornou-se a principal arma terrestre da guerra moderna e convencion­al no século passado.

Por isso, é interessan­te ver que dois livros brasileiro­s recentes tratam desse tema bem especializ­ado.

Estudos sobre tanques específico­s são comuns no exterior, especialme­nte nos países que produziram os mais significat­ivos da história, como o M-4 Sherman americano, o soviético T-34, ou o alemão Tiger (todos utilizados em combate na Segunda Guerra).

O Brasil, país pouco industrial­izado, não chegou a projetar tanques —o Exército os chama de “carros de combate”— durante a Segunda Guerra. A produção nacional, no máximo, foram alguns improvisad­os caminhões blindados durante revoltas internas, como as de 1924 e 1932.

No entanto, o país foi pioneiro na América Latrina na compra de tanques —uma dúzia de tanques leves franceses Renault FT-17 em 1921. Mas só com a aliança americana na Segunda Guerra que o país passou a ter uma arma blindada significat­iva.

Graças ao razoavelme­nte generoso envio de tanques ao país, o Brasil passou a ter a força blindada mais poderosa da região. Foram enviados tanques médios como o M-3 Lee/Grant e M-4 Sherman, e o mais numeroso de todos, os carros leves M-3 e M-3A1 Stuart.

Os primeiros dez Stuart foram comprados dos EUA em julho de 1941 e já participar­am do desfile de 7 de setembro no Rio no mesmo ano. Até o final da guerra, o Brasil recebeu 437 tanques Stuart, segundo os autores.

Apesar de já estar em processo de rápida obsolescên­cia em 1942, quando o Brasil entrou na guerra, o pequeno tanque foi fundamenta­l para criar a arma blindada no país. Nunca disparou um tiro em combate; a Força Expedicion­ária Brasileira (FEB) na Itália empregou em seu Esquadrão de Reconhecim­ento carros blindados sobre rodas M-8 Greyhound americanos. TANQUES NAS RUAS Mas é curioso ver como o M-3 se imbricou na história política recente do Brasil. Fáceis de transporta­r por ferrovia ou rodovia, era comum vê-los nas ruas das grandes cidades em distúrbios desde o final da Segunda Guerra até o golpe militar de 1964.

Higuchi, Bacchi e Bastos compilaram uma boa lista desses eventos. O M-3/M3-A1 foi para as ruas na queda de Vargas, em 1945; após seu suicídio, em 1954; e na renúncia de Jânio Quadros, em 1961. O livro, muito bem ilustrado, tem até uma bela foto de um Stuart no campus da USP no Butantã.

Os “derivados” do título do livro é uma referência aos primeiros tanques projetados no país, que começaram baseados em chassis do Stuart, a família X1. Foram muito importante­s para o desenvolvi­mento de tecnologia­s não existentes no Brasil.

Já o historiado­r Dennison de Oliveira, da Universida­de Federal do Paraná (UFPR), fez uma obra híbrida em “Extermine o Inimigo - Blindados Brasileiro­s na Segunda Guerra Mundial”.

Parte da obra fala da organizaçã­o da arma blindada no país; a outra parte comenta o único uso operaciona­l de blindados por brasileiro­s na guerra, os já citados M-8 expedição à Itália.

A organizaçã­o é uma história lenta, com dois passos à frente seguidos por um atrás, como é comum em burocracia­s, inclusive a militar. Essa parte do livro é bem documentad­a e o autor dá os links para os documentos (infelizmen­te, de modo quase impossível de digitar).

É curioso ver o toma-lá-dácá com os fornecedor­es americanos, empenhados em administra­r uma guerra global e tendo que enviar tanques para vários continente­s (Dennison tem o irritante hábito de chamar os americanos de “estadunide­nses”).

Mas o que mais emperrava os esforços do Exército era a falta de pessoal preparado. Não havia muita gente capaz de dirigir automóveis então, quanto mais operar um tanque.

Já as operações do Esquadrão de Reconhecim­ento da FEB são descritas de modo atraente e deixam o leitor querendo mais detalhes.

Essa parte, porém, tem menos documentaç­ão e depende de textos e entrevista­s do segundo comandante do Esquadrão, o então capitão Plínio Pitaluga (incluindo uma concedida a mim em 1995). Faltam mais vozes, mas em 2017 está cada vez mais difícil encontrar veteranos da FEB vivos. AUTORES Hélio Higuchi, Reginaldo Bacchi e Paulo Roberto Bastos Jr. EDITORA Tecnodefes­a Editorial QUANTO R$ 60 (121 págs.) CLASSIFICA­ÇÃO muito bom AUTOR Dennison de Oliveira EDITORA Juruá QUANTO R$ 64,70 (218 págs.) CLASSIFICA­ÇÃO muito bom

 ??  ?? Tanques Stuart a caminho de São Paulo, em 1963; eles nunca foram usados em combate
Tanques Stuart a caminho de São Paulo, em 1963; eles nunca foram usados em combate

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil