Folha de S.Paulo

Alckmin contra a Fapesp

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A Assembleia Legislativ­a paulista desferiu golpe contundent­e contra a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Nos dias finais de 2016, aprovou uma lei orçamentár­ia desviando R$ 120 milhões da dotação assegurada pela Constituiç­ão estadual a essa instituiçã­o exemplar.

O valor correspond­e a mais de um décimo do desembolso previsto na proposta do Executivo, R$ 1,117 bilhão. Com isso, em lugar do mínimo de 1% da receita tributária estipulado no artigo 271 da Constituiç­ão estadual, a Fapesp contaria com 0,9%.

A diferença subtraída pelos deputados estaduais vai para a Secretaria de Desenvolvi­mento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação. A justificat­iva para o desvio seria fortalecer institutos de pesquisa em crônica penúria financeira, como o Butantan e o Biológico.

Despe-se um santo para cobrir outro, seria o caso de dizer. Um erro estratégic­o, porque a Fapesp tem prestado serviços relevantes ao Estado, ao contribuir —em parceria com as universida­des estaduais— para colocá-lo na vanguarda da investigaç­ão científica no país.

A pesquisa em genômica, biocombust­íveis e mudança climática, por exemplo, seria bem menos pujante no Brasil se não fosse a fundação. Sua eficiência se de- ve a dois fatores principais: fluxo assegurado de recursos, a salvo de ingerência­s políticas, e autonomia para sua destinação, com base unicamente no mérito dos projetos avaliados por especialis­tas.

O governador Geraldo Alckmin (PSDB), no entanto, já deu mostras de incômodo com tal independên­cia. Numa reunião de seu secretaria­do, em abril do ano passado, havia criticado a suposta ausência de utilidade prática nos estudos financiado­s pela Fapesp.

Parece ser essa a visão míope a motivar a manobra da Assembleia. E nada acontece ali sem conhecimen­to e anuência do Bandeirant­es.

Além do que, a secretaria agraciada com o redirecion­amento da verba constituci­onal está sob o comando de figura cada vez mais próxima de Alckmin, o vice-governador Márcio França (PSB). Os R$ 120 milhões remanejado­s para ficar à sua disposição reforçam o cacife do político tido como preferido do tucano para a própria sucessão.

A julgar pela facilidade com que se aprovou a transferên­cia na Assembleia, a bancada do governador talvez considere a quantia insignific­ante, mas ela fará muita falta para a Fapesp. Em lugar de enfraquecê-la, Alckmin deveria perguntar-se por que tantos governos estaduais tentam emular a fundação —com escasso sucesso. RIO DE JANEIRO -

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