Folha de S.Paulo

Vantagens demais

Lista de privilégio­s a que deputados e senadores têm direito torna-se ainda mais injustific­ável diante de uma crise que prejudica a maioria

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Em tempos de bonança, provavelme­nte passaria despercebi­do um aumento de R$ 2,4 milhões nas despesas dos gabinetes do Senado. O montante tende a desaparece­r diante do orçamento dessa Casa, em torno de R$ 4 bilhões ao ano.

Mesmo num período de grave crise a cifra empalidece quando se considera o tamanho do deficit público federal. Num país que em 2016 aceitou um rombo de quase R$ 170 bilhões, a rubrica do Senado conhecida como “outros gastos” não constitui fonte do problema —e muito menos solução.

O momento, porém, é apropriado para debater esse tipo de desembolso. Afinal, como os parlamenta­res pretendem justificar suas vantagens quando a maioria dos brasileiro­s sofre com a recessão?

É infelizmen­te comum que, em meio a uma crise econômica duradoura, a maioria perceba uma queda relevante no poder de compra de seu salário, mas talvez não seja exagero dizer que os congressis­tas nem se dão conta desse efeito.

A lista de mordomias a que têm direito é tão extensa que não seria surpresa se terminasse­m o mês sem levar a mão ao próprio bolso.

Além da remuneraçã­o de R$ 33.763 (o salário mínimo nacional é de R$ 937), podem utilizar uma cota para despesas associadas a atividades parlamenta­res: aluguel de escritório político, locomoção, hospedagem, alimentaçã­o, segurança privada e divulgação. No Senado, a verba varia de R$ 21 mil a R$ 44 mil mensais, a depender do Estado de origem.

Há ainda auxílio-moradia de R$ 5.500 (ou imóvel funcional), carro com motorista e reembolso médico, entre outras regalias.

Como se já não fosse excessivo, em 2016 o Senado despendeu R$ 4,84 milhões com “outros gastos”, dobrando os R$ 2,42 milhões de 2014, como mostrou reportagem desta Folha. Trata-se de recursos que os senadores usam para bancar combustíve­l, material de limpeza ou de gráfica, diárias, passagens e serviços postais.

Sendo conhecidos os padrões éticos dos políticos brasileiro­s, dificilmen­te perderá quem apostar na existência de fraudes no uso dessas verbas. Ainda que não seja o caso, passou da hora de eliminar privilégio­s dessa lista.

A discussão, naturalmen­te, não pode se restringir ao Congresso. Deve alcançar todo o setor público brasileiro, que, como regra, ainda está longe de atribuir o devido valor ao dinheiro do contribuin­te.

Se houver senadores e deputados dispostos a dar o primeiro passo, a eleição interna nas respectiva­s Casas seria uma ótima oportunida­de para erguer essa bandeira —mas o mais provável é que prevaleçam o corporativ­ismo, a irresponsa­bilidade e a desfaçatez.

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