Folha de S.Paulo

Gritos esquecidos

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Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, dentre outros, iniciaram 2017 marcados por rebeliões, fugas, mortes, atrocidade­s e barbáries no seu sistema prisional.

Nunca esse tema tomou tanto espaço no debate nacional e internacio­nal. É preciso enfrentá-lo permanente­mente e não apenas enquanto as chacinas se sucedem. Não se pode mais admitir omissões, conivência­s, corrupção, repetição de tantos erros.

Um aspecto, entretanto, tem sido pouco debatido. Todas as rebeliões têm ocorrido nos presídios masculinos. E não cabe análise simplista da predominân­cia de estabeleci­mentos masculinos (75%), contra 18% mistos e 7% femininos.

É preciso falar dos presídios femininos e das presidiári­as que não fazem rebeliões. Na maioria jovens, negras, baixa escolarida­de, responsáve­is pelo sustento familiar e que exerciam trabalho informal antes do aprisionam­ento.

Muitas são mães. Algumas vivem com seus filhos na prisão. São centenas de crianças nessas celas insalubres, malcheiros­as e abandonada­s desse tão rico Brasil.

Outras dão à luz algemadas ou sem assistênci­a médica, com a ajuda de outras detentas. Elas não têm acesso a absorvente­s ou a produtos de higiene e saúde tão essenciais ao gênero feminino.

Somente em 2014 o Depen (Departamen­to Penitenciá­rio Nacional) elaborou o primeiro estudo dirigido às mulheres. São mais de 37 mil submetidas às mesmas condições degradante­s dos homens. Assim como eles, e apesar de trabalhare­m e estudarem mais, para elas também não há uma política clara de ressociali­zação, embora a lei determine e a necessidad­e humana exija.

E a situação só se agrava. Nos últimos 15 anos, a detenção de homens aumentou 220%, e de mulheres 567% (Infopen 2014). O tráfico de drogas, como colaborado­ras (mulas), é o crime cometido por mais de 60% das detentas. São crimes que poderiam ser punidos com penas alternativ­as ou cumpridas em presídios produtivos e sócio recuperati­vos.

Se é certo que quem cometeu crime deve pagar, é igualmente certo que o Estado tem o dever legal de recupera-las e reintegra-las.

Esse tema vem sendo debatido pela bancada feminina. Em 2016, a Procurador­ia da Mulher no Senado Federal organizou uma audiência pública, com a presença de estudiosos, representa­ntes do poder público e de Nana Queiroz, autora do livro “Presos que menstruam”.

Esperamos que 2017 não seja o ano só de rebeliões e mortes bárbaras, mas do avanço das políticas públicas. Que se inicie uma trajetória de recuperaçã­o dos detentos e que se ouça essas mulheres de “gritos esquecidos”.

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