Folha de S.Paulo

A pendenga com Lewis é mais uma da coleção de brigas

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A turbulênci­a que marcou a vitoriosa campanha presidenci­al de Donald Trump se estenderá à sua posse, na sexta (20). Além de dezenas de protestos marcados para Washington, a entrada de Trump na Casa Branca sofrerá boicote de ao menos 26 deputados democratas.

O movimento foi deflagrado pelo deputado John Lewis, 76, ícone da luta pelos direitos civis, que decidiu não ir à posse pela primeira vez desde que entrou no Congresso, em 1986. Foi além: disse não reconhecer a legitimida­de do presidente eleito e não se relacionar­á com ele.

“Vai ser difícil. Eu não vejo o presidente eleito como um presidente legítimo”, afirmou em entrevista à rede NBC. “Acho que houve uma conspiraçã­o por parte dos russos e outros que o ajudou a ser eleito. Isso não é direito. Não é justo. Não é o processo democrátic­o aberto.”

As agências de inteligênc­ia dos EUA concluíram que houve ação de hackers a mando de Moscou para fazer ciberespio­nagem e roubo de dados para ajudar Trump a derrotar a democrata Hillary Clinton. Ninguém sabe ao certo, porém, o quanto isso influencio­u o resultado.

Até Trump já admite que os russos poderiam estar por trás do vazamento de e-mails compromete­dores do Partido Democrata na campanha, mas nega que isso o tenha beneficiad­o nas urnas.

Como de hábito, o presidente eleito respondeu a Lewis batendo de frente.

“O deputado John Lewis deveria passar mais tempo resolvendo os problemas de seu distrito [que abrange boa parte de Atlanta, na Geórgia], que está em horrível condição e caindo aos pedaços (e infestada de crime), em vez de reclamar falsamente sobre o resultado da eleição. Só fala, fala, fala —nenhuma ação ou resultados. Triste!”, escreveu Trump numa rede social.

O confronto coincidiu com o feriado nacional em homenagem a Martin Luther King

DONALD TRUMP

presidente eleito dos EUA Jr., símbolo da luta pelos direitos civis, nesta segunda.

Considerad­o por muitos um herói da luta pelas liberdades civis, John Lewis foi um dos líderes, ao lado de King, pela igualdade de direito para os negros, a começar pelo voto, na década de 1960.

Lewis manteve-se como um líder negro e democrata influente, e os insultos motivaram outros deputados a aderir ao boicote —até a conclusão desta edição eram 26.

“Nós nos unimos ombro a ombro contra qualquer um que tente negar nossa humanidade.”, disse numa rede social a deputada Yvette Clark.

Na Câmara, 194 das 435 cadeiras são ocupadas por democratas, enquanto no Senado o partido tem 46 parlamenta­res. Em ambas as casas os republican­os são maioria.

Num aceno à população negra, Trump recebeu em Nova York Martin Luther King 3º, filho do líder de direitos civis. Na saída, ele disse que teve uma conversa “construtiv­a” com o presidente eleito sobre direito de voto e minimizou o que Trump disse sobre Lewis. “No calor das emoções muita coisa é dita de ambos os lados”, disse.

Lideranças republican­as alertaram para os danos à democracia de questionar a legitimida­de de um presidente eleito. Algo que, aliás, Trump ameaçou fazer pouco antes da eleição, quando disse que talvez não reconheces­se o resultado das urnas, caso fosse o perdedor. BRIGAS que Trump coleciona, com a grande imprensa, com as agências de inteligênc­ia dos EUA e até com aliados de Washington. Em entrevista, ele chamou de “obsoleta” a Otan, a aliança militar do Ocidente criada após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) para conter a extinta União Soviética, preocupand­o ainda mais os europeus.

Com o pior índice de aprovação para um novo presidente americano em anos e um país rachado, Trump não muda o estilo. “Muitas das tempestade­s que o abatem na véspera de tomar posse foram instigadas pelo próprio Trump”, diz Stephen Collinson, da CNN. “Incitar o caos e a ruptura foi a chave de sua campanha política.”

“John Lewis deveria passar mais tempo resolvendo os problemas de seu distrito , que está em horrível condição

 ?? Aaron P. Bernstein/Getty Images/AFP ?? Operários instalam bandeiras dos EUA e preparam fachada do Capitólio para a cerimônia de posse de Trump, na sexta
Aaron P. Bernstein/Getty Images/AFP Operários instalam bandeiras dos EUA e preparam fachada do Capitólio para a cerimônia de posse de Trump, na sexta

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