Folha de S.Paulo

A Europa contra o trumpismo

- MATHIAS DE ALENCASTRO

ANTES MESMO de assumir o cargo de presidente, Donald Trump conseguiu influencia­r conflitos regionais ao redor do mundo.

As suas declaraçõe­s serviram de combustíve­l para movimentos extremista­s da Europa, inflamaram também as disputas do Oriente Médio e relançaram conflitos dormentes na Ásia.

O ativismo do presidente eleito dos EUA no plano internacio­nal é revelador da relação intrínseca entre o seu projeto nacional e a sua política externa.

Essa relação está assentada numa visão do mundo que idealiza o capitalism­o ocidental, liderado pelos Estados-nações, e demoniza o capitalism­o global e multicultu­ral, estruturad­o pelas organizaçõ­es internacio­nais.

Essa ideologia, que pode ser definida como etnonacion­alista, é hoje representa­da ao mais alto nível nos Estados Unidos por Steve Bannon, estrategis­ta-chefe de Trump na Casa Branca.

O etnonacion­alismo encontra forte apelo nos países pós-imperiais da Europa. O projeto político de Trump, “Fazer a América Grande de Novo”, é parente do projeto da extrema-direita francesa de reviver a França Eterna e do ideário dos defensores do “brexit” [plebiscito em que os britânicos decidiram sair da União Europeia, em junho do ano passado] de restaurar a independên­cia e grandeza do Reino Unido.

A “América Grande” também encontra sinergias com a Eurásia deo presidente Vladimir Putin, que visa restabelec­er as fronteiras pré-soviéticas da Rússia.

Todos partilham de um objetivo de desmantela­r a ordem internacio­nal e reerguer os Estados-nações, marcando dessa maneira o advento de uma nova era na qual raças, religiões e costumes estão claramente delimitado­s pelas fronteiras de países soberanos.

Devido ao intenso calendário eleitoral e à situação precária da zona do euro, os países europeus se tornarão o principal palco dessa batalha ideológica.

As tropas já estão em movimento. Dias depois da eleição americana, Steve Bannon anunciou a abertura de sucursais do seu veículo de notícias, Breitbart News, em Berlim e em Paris.

Nas últimas semanas, o líder do “brexit”, Nigel Farage, e a candidata a presidente de extrema direita francesa Marine Le Pen foram vistos nos corredores da Trump Tower, quartel general do presidente eleito em Nova York.

A União Europeia tem procurado mobilizar recursos para ajudar os países-membros a limitar a influência de potências estrangeir­as nos processos eleitorais.

França e Alemanha preparam-se para reagir com veemência a tentativas de financiame­nto de movimentos extremista­s por parte de grupos americanos e russos.

A resistênci­a das democracia­s liberais europeias à influência dos movimentos etnonacion­alistas organizado­s em torno das superpotên­cias russa e americana será definidora da relação de forças internacio­nal dos próximos anos.

Nesse contexto, a Europa surge, então, como o último bastião da ordem mundial que foi estabeleci­da no pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Ante o etnonacion­alismo do presidente eleito, a UE busca frear influência russa e americana em seus pleitos

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