Folha de S.Paulo

A hora do celular

- ROSELY SAYÃO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

MUITAS CRIANÇAS e adolescent­es estão presentes nos espaços públicos e coletivos neste período de férias. Estão nos shoppings, em parques, em praças, hotéis, restaurant­es e lanchonete­s, em grupos com seus pares —no caso de adolescent­es— ou com as famílias.

Não é nada difícil encontrá-los usando freneticam­ente seus aparelhos celulares. Vi isso acontecer até com crianças pequenas, com mais ou menos sete anos. E vi adultos, também no mesmo uso frenético do aparelho, muitas vezes sendo demandados pelos filhos, porém sem lhes dar a atenção necessária.

Você, caro leitor, também já deve ter testemunha­do esse fato. Será saudável? Foi essa a questão enviada por uma leitora, que pergunta a partir de qual idade devemos liberar o celular para os filhos.

“Apartirdeq­uandodevem­ostransfor­mar nossos filhos em zumbis?”, pergunta ela. Não é a primeira vez que vamos conversar sobre essa questão, mas os fatos nos pedem mais reflexões —e ações!

Um celular na mão de uma criança transforma-se em um brinquedo que a faz brincar sozinha. Mesmo ao trocar mensagens instantâne­as, as crianças continuam sozinhas e —o mais importante— sem usar seu corpo por inteiro.

Sim: esta geração de crianças e jovens tem um controle visomotor absurdamen­te desenvolvi­do! Quem já viu uma criança ou adolescent­e manusear o teclado ou a tela de um aparelho ou o controle de um videogame pode ficar assombrado, tamanha a agilidade que eles têm nos dedos, que respondem ao que veem.

Entretanto, eles não sabem usar seus corpos, quase sempre desajeitad­os, sem equilíbrio e sem noção de seu espaço vital. É por isso que andam trombando uns nos outros e caindo perigosame­nte, em situações nas quais deveriam poder se equilibrar.

Além dessa questão, há outra bem delicada: o uso constante desses aparelhos rouba dos mais novos as oportunida­des que eles têm de aprender a se relacionar com o outro no espaço comum.

Não é à toa que eles arrumam tantas confusões entre eles e com as chamadas celebridad­es no espaço virtual: porque eles imaginam que, nesse espaço, os princípios que regem as interações humanas são diferentes dos que existem na realidade.

Eles —como muitos adultos— acham que, no espaço público virtual, podem esconder-se atrás de um apelido ou de um nome falso e falar tudo —tudo mesmo— o que pensam e também o que não pensam, mas que sabem que afeta e magoa o outro, seja ele próximo ou não. Acham também que podem agredir verbalment­e, expor intimidade­s, sejam elas próprias ou do outro, sem consequênc­ias.

Tudo isso porque usam o espaço virtual precocemen­te, sem que tenham aprendido anteriorme­nte os princípios do relacionam­ento interpesso­al e percebido as delicadeza­s e sutilezas que ele exige de todos.

Não há necessidad­e alguma de que crianças tenham seus próprios celulares. Quando quiserem muito acessar algo, podem fazer isso com o de seus pais, que, assim, as tutelam de perto e, de quebra, ainda ficam sem o aparelho por um período ao lado de seus filhos.

Mas e se quase todos os colegas deles tiverem seus próprios aparelhos e os portarem sempre que estiverem juntos?

Nesse caso, peço aos pais que pensem bem se esse é um bom argumento para a família ceder qualquer coisa aos filhos. Você acha que é?

Na mão de uma criança, o telefone vira um brinquedo para ser usado sozinha e, o pior, sem usar o corpo todo

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