Folha de S.Paulo

DEPOIS DO massacre

Palco da maior chacina em presídios desde o Carandiru, presídio em Manaus passa por reforma e tenta retomar a normalidad­e em meio à tensão

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va”, gíria para policiais. “Tá tranquilo, é só o juiz e a comitiva dele”, grita de volta um agente penitenciá­rio.

O alvoroço diminui quando Valois se aproxima de um dos corredores de celas, separado do refeitório por uma porta com grade. Aos detentos mais próximos, o juiz pergunta se a comida está normal.

“Tá tranquilo”, responde um preso. “A situação é só a nossa visita mesmo, doutor. Tem previsão, doutor?” “Vamos regulariza­r. Vou conversar com o diretor quando sair, tá?”, responde Valois.

A retomada, no entanto, ainda está sem data, segundo a Secretaria de Administra­ção Penitenciá­ria. Foi justamente no dia de visita no Ano Novo que a rebelião teve início.

Entre dois pavilhões, a quadra e o corredor que aparecem em vários dos vídeos do massacre: foi ali que ocorreram os esquarteja­mentos.

O chão encharcado umedece o sapato e as meias e cria uma incômoda ligação com o piso, encharcado de sangue apenas alguns dias antes.

No terceiro pavilhão, mais gritos de “chuva”. Da cela, alguns presos usam espelhos como retrovisor­es para ver o que está acontecend­o.

A reportagem tenta usar o celular, mas não há sinal. Funcionári­os explicam que a recepção é difícil no presídio, compensada pelos presos com antenas improvisad­as.

A visita dura cerca de 15 minutos. “Não quis entrar no corredor porque me viram e não falaram nada”, diz Valois. “A minha obrigação é saber da situação dos presos. A única coisa de que reclamaram foi a visita, mas isso tem de estar suspenso por enquanto.”

Na curta caminhada de volta, um PM se aproxima do juiz para contar, impression­ado, como os presos fugiram pulando o muro de cerca dez metros que separa o complexo da mata. “Quando eles achavam a oportunida­de, pulavam em grupos de 30 a 40, mesmo com as viaturas lá, e corriam pra tomar a selva.”

De volta ao prédio da administra­ção, um homem algemado chama o juiz. É um dos 215 presos que fugiram no Ano Novo e acabava de ser recapturad­o —outros 144 continuava­m soltos até segunda (16).

“Doutor, estou com dois anos preso no sistema pelo roubo de um celular. Fugi por causa dessa onda que deu aí, senhor, mas estou praticamen­te com a minha carga paga. Eu não sei nem como que está a minha pena aí, doutor”, diz, em tom de súplica.

O juiz promete revisar o caso. Por causa da fuga, porém, a chance de progressão de pena agora é mínima.

Já no carro, Valois —no presídio pela primeira vez após negociar o fim da rebelião e testemunha­r parte da carnificin­a— respira aliviado: “Nunca tinha ficado tenso antes, trabalho aí há uns 10, 15 anos.”

“O meu lado profission­al diz que está tudo ok. Depois de um negócio desse jeito, tem alimentaçã­o, já estão reformando tudo. Mas, pessoalmen­te, foi duro entrar aí.”

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O juiz Luís Carlos Valois, à esq., durante a visita ao presídio Compaj, no sábado (14)

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