Ansiedade? Melhor sem
FOI UM ano difícil: estresse contínuo causado por financiamentos concedidos mas não pagos pelo governo para custear nossa pesquisa, ameaça de fechar laboratório e mandar alunos para casa, campanha de crowdfunding, viagens seguidas para entrevistas de emprego nos EUA, gastos, problemas familiares imprevistos assim que recebi o novo contrato de trabalho, mais gastos, burocracias variadas para mudar casa-laboratório-família-cachorros-coleção-preciosa-decérebros para outro país.
Levou um tempo até eu me dar conta, mas após meses de tensão contínua, dor muscular e náusea, um mau humor que nunca foi meu e irritação fora do ponto com qualquer deslize de filho e marido, não havia mais como ignorar: estava sofrendo de ansiedade crônica, e ela já afetava as pessoas ao meu redor.
Fui salva pela nova médica que me acompanha. Nunca tive transtornos mentais além de enxaqueca, nem a menor tendência a depressão. Daí minha surpresa com sua sugestão: quer experimentar Prozac?
O remédio é conhecido como antidepressivo, e por causa da fama, até eu, que supostamente sei alguma coisa sobre como ele funciona, havia esquecido que a mesma ação neurogênica que restaura a motivação, ao agir no estriado, também recupera o freio interno do hipocampo. Sítio de formação de memórias novas, o hipocampo também cuida de manter memórias recentes reverberando, como a lista mental de problemas por resolver. Descarrilado, berra alarmes sem parar.
Aceitei, claro —na pior das hipóteses, eu pararia se tivesse efeitos colaterais horríveis.
Antidepressivos levam umas duas semanas para agir, sinal de que não mudam simplesmente a “química” do cérebro, e sim iniciam um processo mais lento de recuperação, que requer gerar células novas.
Eu já havia esquecido que tomava o remédio quando, 12 dias depois, entrei em um voo voltando de um congresso. Habituada à cabeça gritando lembretes e planos, estranhei a novidade: ao tomar meu assento e curtir o momento de desligar tudo, o silêncio interior me chamou a atenção. Era uma sensação de paz mental e tranquilidade que eu não conhecia havia mais de um ano.
Sim, a lista de afazeres continua lá —mas meu cérebro não berra mais comigo o tempo todo. Santa neurociência básica e aplicada: ganhei minha vida de volta.
A lista de afazeres continua lá, mas o cérebro não berra mais comigo: com o Prozac, ganhei minha vida de volta
SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com