Folha de S.Paulo

Erika Moura, 24, dança desde os 5, quando observava fascinada Valéria Valenssa,

- GABRIELA SÁ PESSOA

DE SÃO PAULO

A Globeleza sambou na cara da sociedade em 2017. Logo ela, que todo ano se torna um símbolo do ziriguidum pré-Carnaval: desta vez, esteve à frente de uma bateria de discussões pois, pela primeira vez desde 1992, dançou completame­nte vestida na TV.

Na noite de 8 de janeiro, um domingo, o “Fantástico” (Globo) exibiu a nova vinheta com a personagem. A paulista Erika Moura, no posto desde 2015, dançou frevo, samba e outros gêneros trajando no mínimo um maiô e, no máximo, um vestido que lembra trajes do maracatu (ao lado).

No dia seguinte (9), o assunto ficou 14 horas entre entre os mais comentados no Twitter brasileiro.

A repercussã­o se dividiu em duas alas. A primeira festejava a novidade e via no vestuário de Moura um avanço na representa­ção da mulher negra. A segunda atribuía a mudança ao conservado­rismo de um Brasil mais careta.

Na leitura da Globo, a recepção foi positiva. “Podemos dizer que o público está entrando nesta festa conosco”, disse a emissora, em nota.

A Globo afirma que a mudança não partiu de pesquisa de opinião ou da percepção de que a representa­ção do corpo feminino tenha mudado em razão das discussões sobre gênero e raça.

Nos últimos cinco anos, é raro o mês em que o Conar (Conselho Nacional de Autorregul­amentação Publicitár­ia) não julgue uma propaganda que envolva queixas sobre exploração do corpo feminino.

Ainda segundo a emissora, não se trata necessaria­mente de um novo padrão. “A tendência é mostrar a diversidad­e, o figurino foi apenas uma das ferramenta­s. Ainda não estamos trabalhand­o na vinheta de 2018, mas queremos surpreende­r.”

Vivendo na Europa, o publicitár­io Washington Olivetto diz estar alheio ao debate. Mas pensa que, para causar impacto com alguma mudança em uma criação muito reconhecid­a, seja “natural” a emissora escolher “o contraste, o inverso” do que a Globeleza representa e a vista. ME REPRESENTA

ERIKA MOURA

Globeleza atual

DJAMILA RIBEIRO,

pesquisado­ra a Globeleza emérita, gingar nas vinhetas de Carnaval.

“Cresci vendo o nosso corpo como arte, como objeto de trabalho. Vejo meu corpo sendo utilizado para esse propósito. Pintada ou com roupa, não levo para a sexualidad­e.”

A personagem tem importânci­a diferente para quem milita pela igualdade de direitos para mulheres negras.

“Para nós, é importante. Não é apenas a Globeleza vestida, é romper a objetifica­ção de séculos da mulher negra, sempre colocada de maneira ultrassexu­alizada —o que contribui para essa imagem de que ela é lasciva e justifica a violência contra nossos corpos”, argumenta a pesquisado­ra Djamila Ribeiro.

Em 2016, ela e a arquiteta e ativista Stephanie Ribeiro criticaram a personagem no blog Agora É que São Elas, da Folha. A nudez pode ser “uma libertação para a mulher branca que, de forma geral, é construída para ser ‘de casa’”, diz Djamila. “Para a negra, tem sempre outro caráter. Ela é colocada sempre assim, como se tivesse que servir aos desejos masculinos.”

São críticas que o criador da personagem e da vinheta, o designer Hans Donner, diz não se recordar de ouvir: “Sempre senti a felicidade das pessoas por transforma­r o corpo em uma obra de arte”.

Donner dirigiu a vinheta na era Valenssa, de 1992 a 2005 (eles são um casal desde 1994). Continuou como consultor, mas neste ano não se envolveu: “Ficou bom”. O designer conta que já notava a redução progressiv­a da nudez —nos anos 1990 a pintura chegou a ser só um tapa-sexo.

Para Donner, a Globeleza representa um “momento especial”, em que muitos esperam festa. “Virou como se fosse uma abertura de programa, um grafismo que representa o produto —no caso, a transmissã­o do Carnaval.”

Pintada ou com roupa, não levo para a sexualidad­e Para nós é romper a objetifica­ção da mulher negra

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Divulgação Valéria Valenssa, primeira e mais famosa Globeleza

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