‘Afinação I’ valoriza pensamento crítico, mas sem doutriná-lo
FOLHA
Após concluir “A Santa Joana dos Matadouros”, no início dos anos 1930, Bertolt Brecht (1898-1956) refletiu sobre a atitude do espectador diante de uma peça não aristotélica, dispensada de unidades de tempo, lugar e ação. O dramaturgo alemão esperava do público “a postura de quem está decidido a aprender”.
Idêntico apriorismo conduz Georgette Fadel ao destilar consciência crítica no solo “Afinação I”. Cofundadora da Cia. São Jorge de Variedades, a atriz, diretora e dramaturga resvala no didatismo e triunfa sobre ele com eloquência. Inclusive, ao incorporar recursos de aula expositiva com direito a giz, lousa e kit prancheta/papel/caneta distribuído no início.
Uma aula antiespetacular, pode-se dizer. A encenação austera é assumidamente inversa à abundância de ideias sobre os pesos da razão e do sentimento na balança do bom senso em baixa na vida cotidiana. A experiência coloca o pensamento prazerosamente em movimento.
O trabalho da atuante é apoiado nos temperamentos do violoncelo que executa, nas pausas de inflexão, e da luz coadjuvante desenhada pela cineasta Julia Zakia.
Exímia na mediação da presença de si, da narradora, das personagens e da plateia de “aprendizes” com a qual inte- rage com argúcia e ardente paciência, Fadel usa do mesmo expediente para interpor duas vozes convictas do “gosto pelo outro”: a escritora e ativista francesa Simone Weil (19091943) e a brechtiana tenente Joana Dark, uma boina preta do Exército da Salvação no embate de operários com a indústria da carne na Chicago pósquebra da Bolsa de NY.
Os escritos de Weil ganham espaço candente com temas religioso, político e filosófico. “Afinação I” expõe os critérios objetivos com os quais ela analisa a condição