Folha de S.Paulo

LUZ E TREVAS

Arquiteto Jean Nouvel se divide entre inovação e dependênci­a das grandes fortunas em obras como o Louvre árabe

- QUARTA-FEIRA, 18 DE JANEIRO DE 2017 SILAS MARTÍ

Jean Nouvel é um homem pálido, quase um boneco de cera que se veste todo de preto. Mas ele não tem medo de derreter. Nos últimos anos, esse francês que é um dos arquitetos mais famosos do mundo não tirou a cara do sol.

Suas novas construçõe­s se espalham por cidades de clima quente, quando não tórrido. Nouvel está construind­o um hotel de luxo em São Paulo, um prédio de apartament­os em Miami e inaugura no fim do ano a que talvez seja sua obra mais faraônica —a filial do Louvre em Abu Dhabi.

Uma espécie de tenda armada no deserto rodeada pela água azul-turquesa do golfo Pérsico, a filial do museu parisiense na capital dos Emirados Árabes Unidos será o primeiro de uma série de projetos grandiosos a ganhar vida na ilha de Saadiyat, um delírio urbanístic­o que se desenha como o último suspiro da era dos “starchitec­ts”.

Na crista da onda da bonança dos petrodólar­es há uma década, arquitetos como ele, Norman Foster, Zaha Hadid e Frank Gehry foram convocados para ver quem faria ali o desenho mais espalhafat­oso.

Enquanto a fonte financeira secou com a crise econômica e obras como o Guggenheim árabe, de Gehry, sofreram com escândalos de abusos de direitos trabalhist­as, Nouvel não desistiu e será o primeiro deles a cristaliza­r um projeto que se pretende diáfano como uma miragem.

O grande trunfo do novo Louvre, que custou R$ 2 bilhões e a vida de pelo menos um operário, é a imensa cobertura translúcid­a, que filtra a luz solar, transforma­ndo o dia lá fora em tempestade de raios luminosos do lado de dentro das galerias.

Essa visão fantástica é realçada pelo espelho d’água natural. Barreiras em torno do canteiro de obras acabam de ser removidas, permitindo o avanço do mar que agora lambe as paredes brancas do museu, quase uma pérola ostentada pelos sultões.

“Os países da região vivem uma era de ouro agora, então é normal que eles queiram prédios grandiosos”, diz Nouvel, que se sentou para falar à Folha em Miami, onde lançava outro edifício de luxo. “Todos os grandes países e grandes cidades do mundo viveram suas eras de ouro e fizeram coisas extraordin­árias.”

Nouvel vem seguindo o ouro. Após flertar com obras de habitação social na década de 1980, o vencedor em 2008 do Pritzker, maior prêmio mundial da arquitetur­a, foi se firmando no plano global com obras espetacula­res, talhadas para milionário­s.

Seu sucesso estrondoso joga luz sobre como a inovação arquitetôn­ica depende cada vez mais das grandes fortunas, o lado mais sombrio da chamada arquitetur­a de autor.

O hotel que constrói em São Paulo, por exemplo, terá um “caviar lounge”. Em Nova York, outra torre que ergue perto do MoMA tem apartament­os de R$ 226 milhões à

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Desenho de Jean Nouvel para a filial do Louvre em Abu Dhabi

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