Folha de S.Paulo

Brasil e América Latina saem do mapa em Davos

País e região são ignorados no encerramen­to do Fórum, que voltou os olhos para o governo Donald Trump

- CLÓVIS ROSSI

A economia da China evitou uma aterrissag­em forçada em 2016 graças a robustos estímulos monetários e fiscais. Pequim agora se preparam para ventos contrários, dada a possibilid­ade de uma guerra comercial com os EUA, depois da posse de Donald Trump, que defende medidas protecioni­stas e ameaça impor pesadas tarifas a produtos do país asiático.

O PIB chinês, o segundo maior do mundo em termos nominais, mas já o maior em paridade de poder de compra, cresceu 6,7% no ano passado, ante 6,9% em 2015. No quarto trimestre, a expansão foi de 6,8% em relação ao mesmo período de 2015.

Foi o mais baixo cresciment­o anual desde 1990, mas cumpriu com folga a meta governamen­tal de um cresciment­o de entre 6,5% e 7%. O

A principal sessão no dia do encerramen­to dos fóruns de Davos chama-se “Panorama Econômico Mundial”. Mas a deste ano deveria chamarse “Panorama Econômico Mundial, fora o Brasil”, que parece ter caído do mundo.

De fato, a palavra Brasil não foi mencionada uma única vez nos 62 minutos em que seis especialis­tas debateram as perspectiv­as para o futuro imediato. Tampouco América Latina apareceu.

Nem quando um nigeriano perguntou aos debatedore­s o que tinham a dizer sobre África (igualmente omitida) e América Latina, Christine Lagarde, a diretora-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacio­nal), teve a caridade de referir-se à América Latina.

Falou ligeiramen­te sobre a África, mas permanece o fato de que as duas regiões não estão precisamen­te no radar das elites econômicas que, todo janeiro, reúnem-se em Davos. desempenho no quarto trimestre superou a expectativ­a média dos economista­s consultado­s pela Reuters, que previam cresciment­o de 6,7%.

Em discurso em Davos, o líder chinês, Xi Jinping, defendeu o livre-comércio e a globalizaç­ão, oferecendo um contraste implícito com as posições de Trump. Os economista­s afirmam que uma guerra comercial poderia ter pesado custo para a China.

É compreensí­vel que assim seja: o mundo vai bem, tanto que, pela primeira vez em seis anos, o FMI não se viu obrigado a revisar para baixo as perspectiv­as de cresciment­o.

Manteve-as em 3,4% para este ano e em 3,6% em 2018.

No caso do Brasil, o sinal é invertido: -3,5% no ano passado. Em 2017, a projeção é de um magérrimo 0,2% —positivo, por fim, mas insuficien­te para compensar dois anos de brutal retrocesso. TRUMP E O MUNDO Quanto ao resto do mundo, Davos, ao menos no debate final, mostrou razoável otimismo, a ponto de Martin Wolf, principal colunista do “Financial Times” e mediador do debate, ter resumido a conversa com uma frase cautelosa: “Talvez a revolução em Washington não seja tão devastador­a quanto muitos esperam”.

Alusão, como é óbvio, ao mistério que é a administra­ção Donald Trump, que nem havia tomado posse quando

“Acredito que, ao assumir, Trump considerar­á a situação da perspectiv­a de que os dois lados se beneficiam e expandirá a cooperação mantida há tanto tempo entre os dois países”, disse Ning Jizhe, diretor do Serviço Nacional de Estatístic­as da China.

Zhu Haibin, economista­chefe do JPMorgan de Hong Kong para o mercado chinês, apontou que as exportaçõe­s brutas representa­m mais de Davos-2017 terminava.

A mesma torcida benevolent­e veio de Wolfgang Schäuble, o todo-poderoso ministro das Finanças da Alemanha: “Não posso realmente imaginar um grande dano para o livre-comércio. Não creio que os Estados Unidos delegarão a defesa do livrecomér­cio à China”.

Refere-se às ameaças do candidato Trump, reafirmada­s depois da vitória, de impor medidas protecioni­stas. Trump acenou também com um formidável pacote de 25% do PIB chinês e que as indústrias exportador­as, que empregam mão de obra em escala maciça, respondem por parcela desproporc­ional do emprego no país. Isso significa que grande número de trabalhado­res poderiam ser afetados caso as exportaçõe­s venham a cair subitament­e.

“A China é um país muito orientado à exportação. Muita gente trabalha nessas áreas. Se as exportaçõe­s aos estímulos para a economia note-americana, na contramão da ortodoxia, que manda acima de tudo controlar o gasto público.

Lagarde vê nessa combinação de estímulo fiscal com medidas na área comercial “um balanço líquido não positivo”.

Laurence Fink, único empresário à mesa, presidente­executivo da BlackRock, a maior gestora de ativos do planeta, também manifestou dúvidas, ainda que, no geral, tenha se mostrado simpático ao novo presidente. “Há uma incerteza EUA caírem 10%, muitos trabalhado­res serão afetados.”

Embora o emprego possa sofrer no caso de uma guerra comercial, o impacto sobre o PIB seria menos severo, dizem os economista­s. Com a queda das importaçõe­s, ao lado da das exportaçõe­s, as exportaçõe­s líquidas —a variável que afeta diretament­e o PIB— seriam pouco afetadas. PAULO MIGLIACCI sobre como se vai pagar pelo pacote de estímulo.”

Sugeriu, a propósito, ser agradável com os credores americanos, o maior dos quais é o Japão, seguido pela China, justamente o país que Trump mais tem atacado.

Em meio às muitas concordânc­ias, uma se destacou: o dólar forte veio para ficar no futuro imediato. Azar dos países e das empresas que têm dívidas na moeda.

Com a política monetária ainda modestamen­te expansioni­sta, o banco central dos EUA deveria continuar a elevar a taxa de juros lentamente para manter os empregos abundantes e a inflação baixa, afirmou na quinta-feira (19) a presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Janet Yellen.

“Acho que permitir que a economia ande de forma acentuada e persistent­emente ‘aquecida’ será arriscado e imprudente”, disse.

Embora ainda não haja sinais de que o Fed esteja atrás da curva ou que a economia esteja em perigo de uma repentina alta da inflação, ela disse: “Considero prudente ajustar a posição de política monetária gradualmen­te ao longo do tempo”.

No mês passado, o Fed elevou os juros pela segunda vez em uma década, mas sinalizou que provavelme­nte acelerará o ritmo de altas neste ano. Atualmente, eles estão entre 0,5% e 0,75%.

Com o desemprego de 4,7%, perto do que muitos economista­s, incluindo Yellen, consideram um nível sustentáve­l a longo prazo, e com a inflação se aproximand­o da meta de 2% do Fed, a maioria das autoridade­s do banco central espera elevar os juros três vezes ao longo dos próximos 12 meses. BRASIL O dólar caiu em relação à maior parte das moedas nesta sexta (20), dia da posse de Donald Trump. O discurso não trouxe novidades, o que ampliou a desvaloriz­ação.

No Brasil, o dólar à vista caiu 0,62%, para R$ 3,1751. José Faria Júnior, diretor da Wagner Investimen­tos, disse que o discurso considerad­o brando de Yellen sobre juros contribuiu para a queda.

 ?? Jason Lee - 24.out.15/Reuters ?? Trabalhado­r carrega caminhão com carvão na província de Heilongjia­ng; no 4º trimestre, país asiático cresceu 6,8%
Jason Lee - 24.out.15/Reuters Trabalhado­r carrega caminhão com carvão na província de Heilongjia­ng; no 4º trimestre, país asiático cresceu 6,8%
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil