Folha de S.Paulo

Agronegóci­o vs. agricultur­a familiar

- MARCOS SAWAYA JANK COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo:

INICIO UMA série de artigos para abordar as falácias em torno da agricultur­a e do agronegóci­o. Falácia é um argumento logicament­e inconsiste­nte, sem fundamento, inválido ou falho na tentativa de provar o que alega.

Boa parte dessas falácias nasce nas salas de aula do ensino médio, propagadas por professore­s desinforma­dos e material didático questionáv­el. Outras propagam-se na forma de chavões repetidos por formadores de opinião e veículos de mídia. Outras derivam de posições divergente­s de autoridade­s e órgãos governamen­tais, naquilo que se costuma chamar de “fogo amigo”.

Exemplos de polêmicas falaciosas que foram se firmando com o tempo são o agronegóci­o contra a agricultur­a familiar, a produção de grande escala contra os pequenos produtores, os fazendeiro­s contra os assentados, a tecnologia intensiva contra a natureza. Entram também na lista as inverdades sobre monocultur­as, transgênic­os, defensivos agrícolas, antibiótic­os, bem estar dos animais e outros temas.

Comecemos hoje com a falácia que opõe o agronegóci­o e a agricultur­a familiar, que costuma gerar um filhote igualmente falso: os grandes produtores contra os pequenos.

As duas dicotomias não têm o menor fundamento. Para começar, a palavra “agronegóci­o” vem do termo em inglês “agribusine­ss”, que não passa de um marco conceitual criado para delimitar os sistemas integrados de produção de alimentos, fibras e bioenergia. Seis décadas atrás, em 1957, o professor Ray Goldberg, de Harvard, constatou que a agropecuár­ia deixara de ser um segmento isolado da economia (ou “primário”), tornando-se um elo fundamenta­l das cadeias integradas de valor do agronegóci­o, cercada por segmentos industriai­s e de serviços a montante e a jusante.

O agronegóci­o nasce no melhoramen­to genético de plantas e animais e termina no consumo dos produtos finais: alimentos, bebidas, roupas, produtos da celulose e da borracha etc. Nesse contexto, a integração às cadeias do agronegóci­o tornou-se uma condição de sobrevivên­cia para os produtores agropecuár­ios, sejam eles grandes ou pequenos, corporaçõe­s ou famílias, proprietár­ios ou assentados.

Milhares de pequenos produtores familiares no Sul estão hoje profundame­nte integrados às cadeias produtivas de grãos, lácteos e carnes na região, comprando insumos e vendendo matérias-primas para agroindúst­rias processado­ras. São parte fundamenta­l do agronegóci­o brasileiro. Já grandes propriedad­es sem nenhuma produção não fazem parte do agronegóci­o.

Portanto, não é a escala que determina quem vai sobreviver, mas sim a integração e a eficiência.

Vale lembrar que o Brasil é um dos países com maior mobilidade social agrícola do planeta. Barões do café quebraram na crise de 1929, ao mesmo tempo em que migrantes italianos e japoneses pobres, que vieram colher café no interior de São Paulo, se tornaram os grandes produtores de cana, açúcar, etanol, hortaliças, algodão e outros produtos. Pequenos agricultor­es familiares do Sul migraram para o Centro-Oeste nos anos 1970, abrindo a fronteira agropecuár­ia do cerrado, ganhando escala, construind­o estradas, cidades. Histórias fascinante­s, que nunca foram bem contadas e reconhecid­as.

Em suma, a maior parte dos grandes produtores de hoje é constituíd­a por migrantes e pequenos produtores do passado. A gestão das suas propriedad­es continua sendo familiar. A pequena agricultur­a familiar é parte fundamenta­l do agronegóci­o. Mas o que interessa mesmo não é o tamanho das propriedad­es, e sim a sua gestão e sustentabi­lidade.

Não há, portanto, confrontaç­ão de modelos de produção, mas sim migração, evolução, inovação e integração. O resto é esse besteirol endêmico de quem se recusa a olhar a realidade e reconhecer que o Brasil tem belas histórias de sucesso para contar.

Agronegóci­o versus agricultur­a familiar é uma falácia, besteirol de quem se recusa a olhar a realidade

MARCOS SAWAYA JANK marcos@jank.com.br

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