Folha de S.Paulo

A supremacia do futebol

- MARILIZ PEREIRA JORGE COLUNAS DA SEMANA segunda: PVC, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: PVC

ALGUNS LEITORES reclamam que eu não deveria gastar energia escrevendo sobre futebol. Não estou falando daqueles que, inexplicav­elmente, me detestam, mas leem esta coluna todas as semanas. Mesmo assim, obrigada pela audiência. Falo daqueles que dizem que “jogo pérolas ao porcos”, que nesse esporte só há “cabeças de prego que ganham rios de dinheiro”, que deveria escrever sobre “outros assuntos”.

Eu tento, mas depois que a Olimpíada acabou, o noticiário ficou monotemáti­co. Você entra em qualquer grande site e todas as chamadas principais são dedicadas aos assuntos futebolíst­icos. É ruim, mas é a vida. O noticiário atende a uma demanda e ela se chama futebol.

Vamos encarar uma coisa: com raríssimas exceções, o que desperta paixão, reúne multidões, são os esportes coletivos. Coletivos e masculinos. F-1 já teve seus tempos de gloria e foi muito popular porque tivemos campeões. O mesmo acontece, hoje, mas em menor incidência, com as lutas marciais.

Não temos nenhum outro esporte coletivo que seja fenômeno de massa, nem mesmo o vôlei, que é sempre listado em rankings das modalidade­s mais populares do mundo. Nesse tipo de levantamen­to, entre os dez mais, além do futebol que aparece sempre como primeiro da lista, estão quase sempre nesta ordem, críquete, basquete, hóquei sobre grama, tênis, vôlei, tênis de mesa, beisebol, futebol americano, rúgbi e golfe.

Perceba que nada disso é popular no Brasil. Encher um ginásio aqui e ali não transforma basquete ou vôlei em esporte do povão. Falo do seu João do Grajaú, da dona Maria do Tatuapé, que certamente torcem por algum clube de futebol desde criancinha­s, assim como a maioria dos brasileiro­s, mas quando o esporte é outro torcem apenas pelo Brasil.

Nosso “problema” é cultural. Quando um bebê nasce, além do nome, ganha um time. Em apenas uma tacada lhe são impostas duas coisas: gostar do esporte e amar para sempre o clube idolatrado — quase sempre o do pai. Desde moleques, somos levados a estádios, vibramos com as vitórias, choramos as derrotas. Assim, como nossos pais, que aprenderam com os seus a fazer a mesma coisa.

Não temos esse tipo de exposição ou de relação com nenhuma outra modalidade. Eu só comecei a gostar de beisebol porque morei no Canadá e de rúgbi porque passei uma longa temporada na Austrália. Frequentav­a estádios e acompanhav­a os campeonato­s pela TV.

Nem mesmo uma Olimpíada foi capaz de mudar isso entre os brasileiro­s, como alguns apostavam. Os defensores da realização do evento diziam que outros esportes ganhariam popularida­de. Sabemos que não. O que vemos é um pouco mais de crianças de classe média praticando judô ou natação, modalidade­s em que o Brasil já tinha tradição.

A esmagadora maioria das escolas públicas continua sem nenhum tipo de quadra poliesport­iva, como eu já escrevi nesta coluna. Fico imaginando qual seria o recado: olha, criançada, tem tudo isso aí de esporte no mundo, mas é só para ver pela TV. E toca a molecada a jogar pelada em campinho de terra batida.

Então, amigos, futebol é a nossa realidade e isso não deve mudar tão cedo. Pense nisso toda vez que perguntar a uma criança para que time ela torce, como se ela tivesse obrigação de torcer para algum.

Não temos nenhum outro esporte coletivo que seja fenômeno de massa, nem mesmo o vôlei

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil