Folha de S.Paulo

Posse sob chuva fina tem fala em tom sombrio e manifestaç­ões

No National Mall, apoiadores de Trump, alguns vindos de longe, puxam coro de ‘EUA! EUA!’

- MARCELO NINIO PATRÍCIA CAMPOS MELLO

ENVIADA ESPECIAL A WASHINGTON

O bilionário Donald Trump foi empossado nesta sexta (20) como o 45º presidente dos Estados Unidos sem baixar o tom agressivo de sua campanha e mantendo a promessa de mudar a cara da política americana.

No discurso de posse, Trump traçou um quadro sombrio do país, citando mulheres e crianças reféns da pobreza, fábricas abandonada­s, um sistema educaciona­l falido e o crime fora de controle.

“Esta carnificin­a americana para aqui e agora”, prometeu o presidente.

A posse de Trump foi mais sóbria e atraiu menos gente que as transições anteriores –900 mil estimados, contra 1,8 milhão na primeira posse de Barack Obama, em 2009– e anunciou uma profunda ruptura com o legado do primeiro presidente negro da história dos EUA.

Prestes a virar história, Obama foi recebido com aplausos mornos da plateia de convidados de Trump, enquanto mantinha o ar solene mas com direito a alguns sorrisos. Em contraste, sua mulher, Michelle, carregava um semblante fechado.

Após contrariar as pesquisas ao ganhar a eleição, Trump também desafiou a previsão meteorológ­ica, que dava como quase certo que seu juramento seria debaixo de chuva. O tempo não chegou a estar “lindo”, como ele previu, mas as poucas gotas de chuva na cerimônia não chegaram a afetar a posse.

Usando gravata em tom vermelho vivo, Trump deixou de lado o improviso habitual em seu discurso de posse, mas não a retórica de ataque.

“Por muito tempo, um pequeno grupo na capital de nossa nação colheu as recompensa­s do governo enquanto o povo arcava com o custo”, afirmou. “20 de janeiro de 2017 será lembrado como o dia em que o povo voltou a governar esta nação”, disse. MOMENTO HISTÓRICO Enquanto as palavras de Trump ecoavam pela extensão do National Mall, a alameda dos monumentos de Washington onde o público se reuniu, espocavam coros de “EUA! EUA!” no meio dos fãs. Muitos que vieram de longe para testemunha­r o momento histórico, como o comerciant­e Mike Allen, 70.

“Apoiei Trump desde o começo, isso parece um sonho. Ele ficou bilionário nos negócios e vai trazer sua fórmula de sucesso para o governo”, disse o aposentado, que percorreu quase 3.000 km vindo do Estado de Utah.

Assim como o eleitorado que levou Trump à Casa Branca, a maior parte dos convidados era branca –os negros podiam ser contados nos dedos. Na eleição, 88% dos eleitores negros votaram na rival de Trump, Hillary Clinton.

Longe do perímetro reservado aos convidados da posse, a confirmaçã­o de Trump como presidente foi um pesadelo para muitos que participar­am de protestos em várias partes da cidade, alguns violentos.

Um grupo de jovens antiTrump que se infiltrou na área VIP foi expulso pela segurança quando começou a gritar slogans.

“Viemos defender a decência e protestar contra um presidente que não respeita as diferenças. Trump não é meu presidente”, disse à Folha Clare Sandburg, 25, enquanto era expulsa. WASHINGTON FESTIVA Mas se foi enevoada por uma legião de insatisfei­tos e pelo boicote de mais de 60 deputados democratas, a posse também deu um ar festivo à capital americana, com multidões esperando pacienteme­nte em longas filas para embarcar no metrô.

Fantasiado de tio Sam, Robert Mann, 53, disse que não apoiou Trump, mas foi à posse “para honrar a democracia americana”.

Sem o brilho das posses de Obama, depois que vários ar- tistas de primeiro time esnobaram o convite para se apresentar na posse de Trump, a cerimônia foi concluída com o hino nacional cantado por uma iniciante, Jackie Evancho, 16, que foi revelada pelo programa de TV “America’s Got Talent”.

Nas posses de Obama a missão coube a Aretha Franklin (2009) e Beyoncé (2013)

Sentada a poucos metros de Trump durante a cerimônia, Hillary Clinton não foi mencionada no discurso de posse, mas mereceu reconhecim­ento pouco depois, durante um almoço no Congresso. Depois de pedir aplausos de pé a ela e seu marido, o expresiden­te Bill Clinton, Trump concluiu: “Não há mais nada a dizer, porque tenho enorme respeito a essas duas pessoas”.

O ritual continuou com o desfile do Congresso até a Casa Branca, um percurso de 2,4 km que Trump percorreu quase todo dentro da limusine blindada. Ele e Melania caminharam alguns minutos perto do Hotel Trump, na mesma avenida Pensilvâni­a que separa o Legislativ­o do Executivo. O casal foi saudado na caminhada, mas também ouviu algumas vaias. OBAMACARE Antes dos três bailes a que os dois iriam à noite, o presidente quis mostrar que cumpriria a promessa de começar a trabalhar no “dia 1”. Sentou-se pela primeira vez no Salão Oval e assinou alguns despachos. Numa ordem presidenci­al, determinou que agências do governo se preparem para o fim do Obamacare, a reforma de saúde que foi uma das políticas principais do seu antecessor.

O texto diz que os órgãos podem isentar de multa quem não possui plano de saúde —a obrigatori­edade de ter um seguro é um dos pontos centrais do programa de Obama. Hillary Clinton ,a democrata derrotada por Trump nas eleições, foi à posse do rival e tuitou: “Estou aqui para honrar nossa democracia [...]. Nunca deixarei de acreditar em nosso país”. Em e-mail a eleitores na sexta (20), “humilde em escrever pela primeira vez como presidente”, Trump pedia contribuiç­ões de até US$ 250 para republican­os. A lojinha virtual da campanha de Trump vendia por US$ 40 o “boné oficial da inauguraçã­o”, modelo branco com brasão presidenci­al. J. K. Rowling, autora da série “Harry Potter”, tuitou: “Parece que estamos vivendo numa realidade alternativ­a, na qual acontecem coisas terríveis que você pensava serem impossívei­s”. Para Stephen King, o mundo entra na “Era do Estúpido”. O que tinha no pacote azul da Tiffany’s que a primeira-dama Melania Trump, deu à antecessor­a Michelle Obama? O conteúdo não foi revelado, mas o presente inesperado confundiu a mulher de Barack, que parecia não saber o que fazer com a caixa em mãos. Paralelame­nte à inauguraçã­o, “House of Cards”, série sobre um político inescrupul­oso, liberou um teaser para sua 5ª temporada. Lema: “Nós criamos o terror”.

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Barack Obama saúda o ex-presidente Jimmy Carter
 ??  ?? A cantora Jackie Evancho, responsáve­l pelo hino
A cantora Jackie Evancho, responsáve­l pelo hino
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Ex-presidente George W. Bush evita molhar-se

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