Posse sob chuva fina tem fala em tom sombrio e manifestações
No National Mall, apoiadores de Trump, alguns vindos de longe, puxam coro de ‘EUA! EUA!’
ENVIADA ESPECIAL A WASHINGTON
O bilionário Donald Trump foi empossado nesta sexta (20) como o 45º presidente dos Estados Unidos sem baixar o tom agressivo de sua campanha e mantendo a promessa de mudar a cara da política americana.
No discurso de posse, Trump traçou um quadro sombrio do país, citando mulheres e crianças reféns da pobreza, fábricas abandonadas, um sistema educacional falido e o crime fora de controle.
“Esta carnificina americana para aqui e agora”, prometeu o presidente.
A posse de Trump foi mais sóbria e atraiu menos gente que as transições anteriores –900 mil estimados, contra 1,8 milhão na primeira posse de Barack Obama, em 2009– e anunciou uma profunda ruptura com o legado do primeiro presidente negro da história dos EUA.
Prestes a virar história, Obama foi recebido com aplausos mornos da plateia de convidados de Trump, enquanto mantinha o ar solene mas com direito a alguns sorrisos. Em contraste, sua mulher, Michelle, carregava um semblante fechado.
Após contrariar as pesquisas ao ganhar a eleição, Trump também desafiou a previsão meteorológica, que dava como quase certo que seu juramento seria debaixo de chuva. O tempo não chegou a estar “lindo”, como ele previu, mas as poucas gotas de chuva na cerimônia não chegaram a afetar a posse.
Usando gravata em tom vermelho vivo, Trump deixou de lado o improviso habitual em seu discurso de posse, mas não a retórica de ataque.
“Por muito tempo, um pequeno grupo na capital de nossa nação colheu as recompensas do governo enquanto o povo arcava com o custo”, afirmou. “20 de janeiro de 2017 será lembrado como o dia em que o povo voltou a governar esta nação”, disse. MOMENTO HISTÓRICO Enquanto as palavras de Trump ecoavam pela extensão do National Mall, a alameda dos monumentos de Washington onde o público se reuniu, espocavam coros de “EUA! EUA!” no meio dos fãs. Muitos que vieram de longe para testemunhar o momento histórico, como o comerciante Mike Allen, 70.
“Apoiei Trump desde o começo, isso parece um sonho. Ele ficou bilionário nos negócios e vai trazer sua fórmula de sucesso para o governo”, disse o aposentado, que percorreu quase 3.000 km vindo do Estado de Utah.
Assim como o eleitorado que levou Trump à Casa Branca, a maior parte dos convidados era branca –os negros podiam ser contados nos dedos. Na eleição, 88% dos eleitores negros votaram na rival de Trump, Hillary Clinton.
Longe do perímetro reservado aos convidados da posse, a confirmação de Trump como presidente foi um pesadelo para muitos que participaram de protestos em várias partes da cidade, alguns violentos.
Um grupo de jovens antiTrump que se infiltrou na área VIP foi expulso pela segurança quando começou a gritar slogans.
“Viemos defender a decência e protestar contra um presidente que não respeita as diferenças. Trump não é meu presidente”, disse à Folha Clare Sandburg, 25, enquanto era expulsa. WASHINGTON FESTIVA Mas se foi enevoada por uma legião de insatisfeitos e pelo boicote de mais de 60 deputados democratas, a posse também deu um ar festivo à capital americana, com multidões esperando pacientemente em longas filas para embarcar no metrô.
Fantasiado de tio Sam, Robert Mann, 53, disse que não apoiou Trump, mas foi à posse “para honrar a democracia americana”.
Sem o brilho das posses de Obama, depois que vários ar- tistas de primeiro time esnobaram o convite para se apresentar na posse de Trump, a cerimônia foi concluída com o hino nacional cantado por uma iniciante, Jackie Evancho, 16, que foi revelada pelo programa de TV “America’s Got Talent”.
Nas posses de Obama a missão coube a Aretha Franklin (2009) e Beyoncé (2013)
Sentada a poucos metros de Trump durante a cerimônia, Hillary Clinton não foi mencionada no discurso de posse, mas mereceu reconhecimento pouco depois, durante um almoço no Congresso. Depois de pedir aplausos de pé a ela e seu marido, o expresidente Bill Clinton, Trump concluiu: “Não há mais nada a dizer, porque tenho enorme respeito a essas duas pessoas”.
O ritual continuou com o desfile do Congresso até a Casa Branca, um percurso de 2,4 km que Trump percorreu quase todo dentro da limusine blindada. Ele e Melania caminharam alguns minutos perto do Hotel Trump, na mesma avenida Pensilvânia que separa o Legislativo do Executivo. O casal foi saudado na caminhada, mas também ouviu algumas vaias. OBAMACARE Antes dos três bailes a que os dois iriam à noite, o presidente quis mostrar que cumpriria a promessa de começar a trabalhar no “dia 1”. Sentou-se pela primeira vez no Salão Oval e assinou alguns despachos. Numa ordem presidencial, determinou que agências do governo se preparem para o fim do Obamacare, a reforma de saúde que foi uma das políticas principais do seu antecessor.
O texto diz que os órgãos podem isentar de multa quem não possui plano de saúde —a obrigatoriedade de ter um seguro é um dos pontos centrais do programa de Obama. Hillary Clinton ,a democrata derrotada por Trump nas eleições, foi à posse do rival e tuitou: “Estou aqui para honrar nossa democracia [...]. Nunca deixarei de acreditar em nosso país”. Em e-mail a eleitores na sexta (20), “humilde em escrever pela primeira vez como presidente”, Trump pedia contribuições de até US$ 250 para republicanos. A lojinha virtual da campanha de Trump vendia por US$ 40 o “boné oficial da inauguração”, modelo branco com brasão presidencial. J. K. Rowling, autora da série “Harry Potter”, tuitou: “Parece que estamos vivendo numa realidade alternativa, na qual acontecem coisas terríveis que você pensava serem impossíveis”. Para Stephen King, o mundo entra na “Era do Estúpido”. O que tinha no pacote azul da Tiffany’s que a primeira-dama Melania Trump, deu à antecessora Michelle Obama? O conteúdo não foi revelado, mas o presente inesperado confundiu a mulher de Barack, que parecia não saber o que fazer com a caixa em mãos. Paralelamente à inauguração, “House of Cards”, série sobre um político inescrupuloso, liberou um teaser para sua 5ª temporada. Lema: “Nós criamos o terror”.