Folha de S.Paulo

A pinguela e a solidaried­ade

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Este começo de ano lembra alguns filmes antigos, com contrastes dramáticos e reações exageradas em meio a um sofrido otimismo, ao fim justificad­o. A diferença por aqui é que tragédias podem ocorrer.

O processo de piora da economia pode estar perto do fim. Os anúncios da política monetária sugerem preocupaçã­o com a retomada da atividade, fortalecid­a pela menor inflação. Existem, porém, obstáculos para a retomada. Muitos setores cresceram na última década graças a proteções insustentá­veis, como em óleo e gás, automóveis e estaleiros.

Muitas empresas não irão se recuperar, mesmo com a retomada da economia, o que pode resultar em problemas sociais em algumas regiões, revivendo o drama de Detroit, nos Estados Unidos.

Políticas de qualificaç­ão e identifica­ção de novas oportunida­des de emprego são necessária­s para cuidar dos trabalhado­res, vítimas da proteção setorial fracassada.

Houve avanços importante­s na agenda de reformas fiscais, mas também decisões preocupant­es, como a lei aprovada de renegociaç­ão das dívidas dos Estados. Foram rejeitadas as medidas de ajuste para ajudar a superar os graves problemas.

A crise dos Estados não decorre das suas dívidas, mas dos gastos com folha de pagamento de ativos e inativos, que vão aumentar com o envelhecim­ento dos servidores.

Recentemen­te,ogovernofe­deral passou a enfrentar o problema com a severidade necessária. A negociação com o Estado do Rio de Janeiro discute duras medidas estruturai­s. O longo ajuste necessário decorre dos muitos anos de irresponsa­bilidade.

Esse acordo pode indicar uma saída para Estados e municípios que estão a caminho de uma crise fiscal com a mesma gravidade do Rio.

Existem, porém, muitos riscos. Não será fácil concluir bem os acordos com os governos locais. Afinal, quem vai pagar a imensa conta?

No meio desse difícil processo, a falência do poder público se manifesta em serviços essenciais de saúde, educação e segurança, cuja face trágica mais recente é a crise dos presídios. Qual será a reação da população ao colapso?

Aproveitar a janela de oportunida­de requer cuidado na negociação com os governos locais e na reforma da Previdênci­a. Ela também requer medidas para proteger serviços essenciais à população e auxiliar os trabalhado­res dos setores que se revelaram inviáveis. As nossas escolhas de política pública são responsáve­is pela crise. Devemos ser solidários na transição.

A queda de um avião e a morte de pessoas são sempre umatragédi­a.Quando,porém, resulta em grave preocupaçã­o sobre processos importante­s para o país, revela-se a fragilidad­e do momento.

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