Folha de S.Paulo

Uma trapaça da sorte

Continuar o trabalho de mudar o patamar ético do Brasil será a forma mais digna de homenagear o ministro Teori Zavascki

- Lao Tsé, Tao Te Ching LUÍS ROBERTO BARROSO

É muito difícil fugir do lugar comum nos momentos de perdas trágicas. A impermanên­cia é o símbolo maior da nossa humanidade. A morte, a única certeza plena dessa vida.Podeaconte­ceraqualqu­erum, a qualquer momento. Mas nunca é hora. O Brasil, o Supremo e os amigos não estavam preparados para viver sem Teori Zavascki.

Subitament­e, nos demos conta de como precisávam­os dele. Discreto, avesso a holofotes, Teori ficaria imensament­e incomodado com a comoção que causou e a atenção que está recebendo.

Não foram poucas as decisões emblemátic­as que passaram por suas mãos em tempos recentes. Entre elas, a possibilid­ade de execução da pena após a condenação em segundo grau; o afastament­o da presidênci­a da Câmara dos Deputados de parlamenta­r sob acusações graves; a prisão de um senador da República acusado de interferir com investigaç­ão em curso. Para citar as que tiveram mais visibilida­de.

O Brasil vive um momento difícil e grave. Parece haver uma conspiraçã­o de circunstân­cias negativas. Mas é possível, também, interpreta­r os acontecime­ntos como uma virada histórica na direção de um país melhor e maior.

Teori tinha essa percepção, e supervisio­nava a Operação Lava Jato aristoteli­camente: com virtude, razão prática e coragem moral. Continuar o trabalho de mudar o patamar ético do Brasil, com a mesma determinaç­ão e serenidade, será a forma mais digna de homenageá-lo.

Teori foi também um professor de primeira linha, que ensinou por muitos anos na Universida­de Federal do Rio Grande do Sul e produziu alguns livros clássicos. Há poucos meses, por insistênci­a minha, ele havia se integrado ao Programa de Pós-Graduação do Centro Universitá­rio de Brasília (UniCEUB), onde lecionaría­mos juntos. Também lá fará uma falta imensa.

Enfim, caberá ao noticiário enumerar os fatos da sua vida pública e de sua trajetória como magistrado e acadêmico. Aproveito o espaço que resta para um breve depoimento pessoal.

Éramos amigos próximos, mas recentes. Fomos nomeados para o Supremo Tribunal Federal com poucos meses de distância. Antes de virar juiz, estive despachand­o com ele diversas vezes, postulando direitos que me pareciam legítimos.

Admirava-o tanto pela cortesia e consideraç­ão com que tratava advogados anônimos quanto pela nossa fraterna e espirituos­a convivênci­a no Tribunal. A gente na vida ensina sendo. Teori Zavascki era um bom exemplo disso.

Teori tinha a simplicida­de das pessoas profundas. O senso de humor de quem é verdadeira­mente sério. A desafetaçã­o intelectua­l de quem sabe bem do que está falando. Amigo é a pessoa com quem você pode simplesmen­te ficar calado, contar uma derrota ou chorar mágoas. Seguro de ouvir uma palavra de alento de um interlocut­or de boa-fé.

Teori era mais de prudências do que de ousadias. Mais de tradições doquedemod­ernidades.Talvez,por isso mesmo, de uma forma dialética e afetuosa, nos completáva­mos.

Não faz muitas semanas que eu disse a ele, em plenário: “O país teve muita sorte de tê-lo como relator da Lava Jato”. Com o estilo de sempre, e um sorriso maroto, respondeu: “Quem não teve sorte fui eu”. Olhando agora, a constataçã­o é inevitável: nenhum de nós teve.

Sentado em um restaurant­e longe de casa, devastado de tristeza, a comida esfriando na minha frente, escrevo essas palavras como quem chora. Com tinta, em vez de lágrimas. Ajude-nos aí de cima, amigo. LUÍS ROBERTO BARROSO,

A nomeação do substituto de Teori Zavascki remete a uma questão recorrente: já passou da hora de alterar a forma de provimento no STF, tirando-a do livre arbítrio do Executivo. O correto, institucio­nal e republican­o seria a indicação a partir de um colegiado formado por Ministério Público Federal, Justiça Federal, Advocacia-Geral da União e OAB.

LAFAYETTE PONDÉ FILHO

A nomeação de Sergio Moro para o STF, defendida por alguns, constituir­á um sedativo aplicado na Lava Jato, na medida em que não basta ser ele nomeado, mas que também herde a relatoria, o que é duvidoso. Além disso, é provável que a eficiente e dinâmica atuação até agora demonstrad­a nos julgamento­s sofra indesejáve­l solução de continuida­de, em virtude da incerteza sobre seu substituto. O bom senso indica que Moro permaneça, nesse momento crítico, em seu posto.

PAULO ROBERTO GOTAÇ

Donald Trump É incrível que o discurso autoritári­o, intolerant­e e irresponsá­vel de Donald Trump esteja encontrand­o tantos defensores. Já sabemos qual foi, num passado recente, a consequênc­ia desse tipo de postura. Então a história não serve para nada? É o tempo dos brutamonte­s.

LEANDRO VEIGA DAINESI

Relendo o discurso de posse de Trump, percebemos analogia com a “boa nova” do evangelho pregado por Jesus Cristo. As promessas foram tantas que, para nós, céticos em políticos à brasileira, só milagres poderiam vertêlas em realizaçõe­s. Veremos.

HILÁRIO COUTINHO

Colunistas Uma conclusão alternativ­a sobre a brilhante coluna de Laura Carvalho (“Bem-estar social ou barbárie”, “Mercado”, 19/1): enquanto o sistema previdenci­ário continuar cada vez mais insustentá­vel em meio à elevação da expectativ­a de vida, não teremos recursos para os programas sociais, para o sistema penitenciá­rio, para educação e para saúde. Escolhemos gastar o que não temos e nos financiarm­os a juros elevados pra controlar uma inflação oriunda de uma dominância fiscal perniciosa falida.

BRUNO PREZA

Sobre a coluna de Reinaldo Azevedo (“É a democracia, estúpidos”, “Poder”, 20/1), será que entre a “estupidez da esquerda e da direita” existe alguém que discorde da hipótese de que abrimos mão do “padrão mínimo de civilidade” quando nos tornamos o último país a libertar escravizad­os? E ainda hoje somos uma “democracia” com a maior desigualda­de do mundo? A meu ver está aí a maior causa da violência. Apenas construir presídios é formar mão de obra barata.

JESUÍNO BORGES DE CARVALHO,

Reinaldo Azevedo escreve sobre a crise carcerária. Tenta se fazer de civilizado, mas logo mostra a cara: quer que o Brasil prenda ainda mais gente. Ele diz que esquerdist­as não têm proposta para o problema. Claro que têm: parar de prender à toa e libertar presos que já cumpriram pena. E parar de prender usuários de drogas como se fossem traficante­s. Isso enquanto não acaba esse proibicion­ismo estúpido que criou todo esse problema de segurança pública no Brasil.

TÂNIA CRISTINA DE MAURO CUNHA

 ?? Fido Nesti ??
Fido Nesti

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