Folha de S.Paulo

Buscar salvador numa crise é grave, diz papa

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DE WASHINGTON

Donald Trump foi eleito presidente dos EUA deixando claro que a imprevisib­ilidade seria uma das marcas de suas ações na Casa Branca, mas dando algumas indicações de como vê as relações do país com o resto do mundo, com foco no protecioni­smo comercial e na ideia de “América em primeiro lugar”.

Ao longo de sua campanha, o Brasil jamais entrou no radar de Trump, que só fez referência­s à América Latina ao falar do muro que pretende construir na fronteira com o México e questionar os termos de reaproxima­ção diplomátic­a com Cuba.

Para analistas, há riscos claros para o Brasil, sobretudo devido à retórica protecioni­sta, mas também oportunida­des, já que o país não entrou na lista de desafetos do novo presidente dos EUA e pode buscar avanços.

Embora a incerteza domine o começo do governo Trump, em termos de política comercial algumas diretrizes parecem claras, como a rejeição a acordos multilater­ais no formato da Parceria Transpacíf­ico (TPP), principal iniciativa de comércio internacio­nal do presidente Barack Obama.

Por outro lado, Trump mostrou-se mais inclinado a negociar “acordos bilaterais justos, que tragam empregos e indústrias de volta aos EUA”, como disse em seu primeiro pronunciam­ento oficial após a vitória na eleição.

Isso poderia abrir possibilid­ades para que o Brasil negocie acordos com os EUA, ainda que permaneça vago o que Trump quer dizer com “acordos justos”.

Seja como for, é um bom momento para o Brasil sair na frente e mostrar que está disposto a explorar oportunida­des de cooperação com os EUA, acha Antonio Josino Meirelles, diretor-executivo do Brazil Industries Coalition, que representa empresas brasileira­s nos EUA.

“É um momento importante para o Brasil apresentar seus interesses para o novo governo e o Congresso. Ainda não há clareza sobre os objetivos ofensivos da agenda comercial externa dos EUA, mas a história recente do diálogo comercial mostra avanços”, diz Josino.

Para Leonardo Freitas, sócio da consultori­a HaymanWood­ward, especializ­ada em

LEONARDO FREITAS

sócio de consultori­a, que já participou de reuniões de negócios com Trump desenvolvi­mento de negócios nos EUA, um aspecto negativo nesta transição de poder é a tendência de que haja uma saída de investimen­tos do Brasil com o viés de alta dos juros nos EUA.

Mas ele concorda que há muitas áreas em que pode haver cooperação, e cita o interesse dos investidor­es americanos em áreas como energia renovável, educação, desenvolvi­mento de software e jogos eletrônico­s e tecnologia espacial. “Estive com um pessoal do Rio Grande do Sul que está desenvolve­ndo drones para a Nasa”, afirma Freitas. DESCONHECI­MENTO Com a experiênci­a de ter participad­o pessoalmen­te de negociaçõe­s com Trump, Freitas diz que foi difícil lidar com ele, “por sua postura unilateral nos negócios”, que sempre quer levar vantagem e não gosta de ser contrariad­o. “Ele não conhecia nada de Brasil, foi preciso explicar. Achava que o Brasil ainda fosse uma ditadura.”

Além da falta de informaçõe­s, há um desinteres­se pela América Latina em geral, diz Peter Hakim, presidente emérito do centro de estudos Inter-American Dialogue.

Na opinião dele, a única referência ao continente, o muro na fronteira com o México, também é má notícia para o Brasil, já que simboliza uma rejeição à imigração e comércio com o resto da América Latina. “Trump já mostrou quais são suas preferênci­as. Quando ele fala de México, não é só o México”, diz.

Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás da China, com comércio bilateral de US$ 46 bilhões em 2016. No ano passado, o deficit comercial com os EUA diminuiu quase quatro vezes ante 2015, para US$ 646 milhões, principalm­ente com a queda de importaçõe­s brasileira­s causada pela crise econômica. Com a inclinação do governo Trump de aumentar exportaçõe­s, há risco de o deficit voltar a crescer. (MARCELO NINIO)

DE SÃO PAULO

Aludindo ao novo presidente dos EUA, Donald Trump, o papa Francisco disse ao jornal espanhol “El País” que, em momentos de crise, a população busca um “salvador” que a defenda com muros.

“Em momentos de crise, o discernime­nto não funciona. (...) Buscamos um salvador que nos devolva a identidade e nos defenda com muros, com arames farpados, com qualquer coisa, dos outros povos que podem nos tirar a identidade”, afirmou o papa em entrevista publicada no sábado (21). “Isso é muito grave. Por isso sempre procuro dizer: dialoguem entre vocês.”

O pontífice evitou, contudo, fazer prognóstic­os sobre o governo de Trump. “Veremos o que ele faz e, a partir daí, avaliaremo­s.”

Francisco comparou o cresciment­o de movimentos populistas contemporâ­neos à ascensão do nazismo na Alemanha nos anos 1930, dizendo que o ditador Adolf Hitler “foi eleito por seu povo”.

Ele [Trump] não conhecia nada de Brasil. Achava que ainda fosse uma ditadura

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