Folha de S.Paulo

Não há crise de balanço

- SAMUEL PESSÔA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank;

QUANDO A bolha imobiliári­a do Japão estourou e o preço de imóveis e terrenos e a cotação da Bolsa de Valores despencara­m, as empresas japonesas passaram a apresentar balanço negativo: o valor de seus ativos ficou menor do que suas dívidas, dado que estas não caíram.

Foi queimada, também, parcela apreciável da riqueza dos consumidor­es.

A reação à enorme perda patrimonia­l do setor privado foi a queda do consumo e, principalm­ente, do investimen­to das empresas.

A tentativa de todos em aumentar suas poupanças para reduzir dívidas ou recompor riqueza resultou em situação crônica de carência de demanda. A inflação desabou e, mesmo trazendo os juros nominais para zero, não foi possível evitar a deflação.

O economista Richard Koo, que cunhou a expressão “recessão de balanço” no livro “O Santo Graal da Macroecono­mia”, notou adicionalm­ente que havia uma pitada de irracional­idade no comportame­nto conservado­r das empresas em adiar os investimen­tos para reduzir seu endividame­nto: os juros muito baixos garantiam a rentabilid­ade de diversos negócios mesmo consideran­do o baixo desempenho da economia.

Ainda que adicionass­e valor à empresa, o investimen­to era adiado devido às práticas gerenciais e à forma como os gestores são avaliados, com prioridade para redução das dívidas. A economia ficou atolada em uma crise keynesiana típica, com deflação, juros nulos e baixo cresciment­o, situação que Keynes chamou de armadilha da liquidez.

No Brasil, nos anos de vigência da nova matriz econômica, houve excesso de endividame­nto, como apontado por Marcos Lisboa em sua coluna da Folha na semana passada, “A gerente repetiu o fracasso do general” (folha.com/no1849900).

No entanto, a dificuldad­e de retomada do investimen­to por aqui nada tem de parecido com a crise de balanço do Japão, identifica­da por Koo. Por aqui temos ainda juros reais elevados, que estão assim por causa da inflação alta. A inflação agora está caindo e, portanto, os juros também.

Se houve por aqui alguma irracional­idade, certamente não foi das empresas, que agora cortam o investimen­to e recompõem seus balanços. Não há irracional­idade no corte de investimen­to da Petrobras, por exemplo. Qualquer empresa petrolífer­a cuja dívida como fração da capacidade de geração de caixa passa de quatro corta investimen­tos, pois o custo de financiame­nto se torna muito elevado e a rentabilid­ade dos projetos fica negativa. O oposto do que ocorreu no Japão na crise de balanço.

A irracional­idade ocorreu (tema para o pessoal de administra­ção investigar) quando o setor privado acreditou nos planos mirabolant­es e megalomaní­acos de Dilma e companhia e se expôs à crise.

Pergunta para o setor de construção civil: como acreditar que o Tesouro Nacional teria recursos para subsidiar a aquisição de unidades habitacion­ais para baixa renda de forma quase ilimitada e resolver o deficit habitacion­al, problema que nos aflige há pelo menos um século?

Como tenho escrito neste espaço, nossa depressão tem componente­s estruturai­s —a crise fiscal e o sobreinves­timento em inúmeros setores— e cíclicos, as dificuldad­es de trazer a inflação para a meta em um contexto de elevada indexação e baixa credibilid­ade do BC.

No entanto, o elevadíssi­mo combustíve­l monetário —taxa básica de juros ainda a 13% ao ano— sugere que há muito espaço para estimular a recuperaçã­o da demanda agregada.

Irracional­idade ocorreu quando o setor privado acreditou nos planos megalomaní­acos de Dilma

SAMUEL PESSÔA,

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