Folha de S.Paulo

União devolve a Estados 891 presos em 5 anos

Para autoridade­s, ação fortalece criminosos, que fazem contato com outros líderes de facção e disputam poder na volta

- RUBENS VALENTE FABRÍCIO LOBEL

Transferên­cias têm sido adotadas como saída a chacinas; governo federal diz que monitora os detentos

Como principal resposta a rebeliões em presídios, os governos estaduais transferir­am para as quatro penitenciá­rias federais nos últimos cinco anos um total de 1.414 detentos considerad­os líderes de facções criminosas. Desse total, 891 foram devolvidos aos Estados no período, segundo dados do Depen (Departamen­to Penitenciá­rio Federal) obtidos pela Folha.

Astransfer­ênciasdelí­deres têm sido adotadas pelos governosfe­deraledoAm­azonas, Roraima e Rio Grande do Norte como solução imediata para as chacinas ocorridas desde 1º de janeiro nos três Estados —como a última delas em que 26 morreram em um só dia na disputa entre facções no presídio de Alcaçuz (RN).

O entra e sai deles, porém, pode ter o efeito colateral de fortalecer as lideranças e as facções, avaliam autoridade­s.

A lei que estabelece os critérios para transferên­cia, de 2008, prevê que o preso só fique no presídio federal por um prazo de até 360 dias, renovável “excepciona­lmente, quando solicitado motivadame­nte pelo juízo de origem”.

Segundo o Depen, os detentos têm ficado, em média, dois anos nas unidades federais. Depois disso, regressam aos Estados dos quais foram retirados emergencia­lmente.

Quando retorna, segundo as autoridade­s, o “preso federal” volta com mais poder e conhecimen­to das facções. Nos presídios da União, pode frequentar o mesmo horário do banho de sol de outros líderes de sua facção, por duas horas diárias, o que facilita a troca de informaçõe­s.

“Ele volta com status maior. Ele tem os contatos, volta com uma facção que já existe ou até cria outra”, diz o juiz de execução penal de Manaus Luís Carlos Valois.

Para o juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior, corregedor do presídio federal de Mossoró (RN), o preso “sai do sistema federal com status”.

Outro problema é a definição de quem é de fato líder. Estados estariam transferin­dopresosqu­etiveramal­guma participaç­ão nas mortes e rebeliões,masnãoeram­líderes.

Para Edilson Gonçalves Filho, defensor público que atua no presídio de Mossoró, as transferên­cias são feitas a partir de indícios e “muitas vezes não há prova de que é realmente um líder”.

“Só pode entrar em presídio federal quem efetivamen­te for liderança. Se ingressar outro que não é líder, ele sai com potencial de liderança”, avalia o juiz Silva Júnior.

Quando o preso líder sai do presídio, sua função como “representa­nte” de alas é ocupada por outro detento.

“Em todo presídio há um ‘líder’ de ala. Quando esse líder sai, há um vácuo de poder, preenchido por outro preso. Quando o preso volta, existe uma briga de poder. Ele quer buscar seu espaço que

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Avener Prado /Folhapress PMs em frente a contêiner usado para separar detentos na prisão de Alcaçuz, no RN

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