Folha de S.Paulo

Presos ‘federais’ ficam isolados 22 h por dia

Segregação é apontada como trunfo dos 4 presídios da União; detentos reclamam da distância de suas famílias

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Levantamen­to aponta que 19% dos internos têm ansiedade e 18%, depressão; 45% dos detentos são de facções DE BRASÍLIA

Vinte e duas horas diárias dentro de uma cela de cerca de seis metros quadrados. Sem controle da iluminação ou do fornecimen­to de água para banho. A única chance de distração é a leitura, para aqueles que sabem ler.

As duas horas de convivênci­a com outras pessoas ocorrem em um pátio cercado de grades e muros altos. O espaço é coberto por uma firme tela metálica, para evitar resgates por helicópter­os.

O isolamento do sistema penitenciá­rio federal é apontado por especialis­tas criminais como o maior trunfo desses presídios e o maior temor de quem está preso neles.

Cada uma das quatro unidades (Catanduvas, no Paraná, Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, Porto Velho, em Rondônia, e Mossoró, no Rio Grande do Norte) é dividida em quatro alas chamadas de vivências.

As vivências são divididas em quatro setores com até 13 presos. Esse é o grupo com o qual o preso convive durante seu banho de sol diário. O contato com funcionári­os é restrito e vigiado por câmeras monitorada­s em Brasília.

“No sistema federal, o preso tem sua integridad­e física garantida, não há casos de agressões físicas ou brigas, há fornecimen­to de alimentaçã­o adequada. Ainda assim, não há um preso que queira ficar ali. Todos querem retornar para os presídios estaduais de onde vieram, onde há menos rigor”, diz um defensor público que atua em uma cadeia federal e não quis ser identifica­do.

No sistema penitenciá­rio federal, o preso só pode ver TV atrás de grades, durante seu banho de sol. Os livros e revistas passam por uma censura, para barrar conteúdos violentos, por exemplo.

Apenasospr­esosbemcom­portados têm acesso a atividades de socializaç­ão. Aquelesque­nãoseenqua­dramnas regras disciplina­res são encaminhad­os pela Justiça para o Regime Disciplina­r Diferencia­do, perdem o direito a visi- tas e fazem o banho de sol sozinhos, dentro de suas celas.

A administra­ção do sistema justifica o rigor imposto aos presos com os resultados: segundo ela, desde 2006 nenhum presídio federal registrou fugas, celulares dentro de celas ou mortes violentas.

Por outro lado, uma das principais reclamaçõe­s dos presos é o afastament­o da família. O Depen (Departamen­to Penitenciá­rio Nacional) tem como diretriz retirar o detento de sua área de atuação, para romper o vínculo com o crime. Isso dificulta as viagens das famílias, aumentando ainda mais a reclusão.

Em visitas feitas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), entre 2011 e 2013, magistrado­s encontrara­m falhas nasunidade­sdeCampoGr­ande e Mossoró, como a ausência de espaços para atividades laborativa­s.

O Ministério da Justiça informa que desenvolve­r as práticas laborais tem sido um dos “grandes desafios” do sistema, já que os presídios não possuem áreas adequadas para trabalhar.

Números divulgados pelo Depen a pedido da Folha apontamque­há235membr­os de facções nos presídios federais. São 95 líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital), outros 95 do CV (Comando Vermelho), 24 do Sindicato do Crime do RN e 21 da Família do Norte (FDN).

Juntas, as quatro facções envolvidas nas chacinas deste ano representa­m 45% dos 523 “detentos federais”. EFEITO PSICOLÓGIC­O Um levantamen­to do Depen aponta que 19% dos internos declararam ter transtorno de ansiedade e 18%, depressão. Cerca de 20% disseram usar medicament­os contínuos contra insônia.

Entre os detentos usuários de psicotrópi­cos, 63% declararam ter iniciado a medicação após entrarem em um dos presídios federais. De 350 ouvidos, 21, ou 6%, disseram ter tentado suicídio —o sistema registrou pelo menos um caso, em Campo Grande.

Para o juiz corregedor do presídio federal de Mossoró, Walter Nunes da Silva Júnior, essa é uma questão que deve ser analisada profundame­nte. “Não temos ainda estudos psicológic­os ou psiquiátri­cos dos efeitos que o isolamento acarreta na pessoa”, afirma. Custo mensal do preso Em R$ 3.800 Presídios Média federais nacional Presídio de Catanduvas DEVOLUÇÕES Presos transferid­os a presídios federais de 2012 a 2017 Total: 1.414

Até a conclusão desta edição, o Ministério da Justiça não respondeu se já havia solucionad­o essas falhas.

O levantamen­to do Depen aponta que o Estado que mais envia presos de suas cadeias para o sistema federal é o Rio.

Em 2014, entre 304 presos consultado­s, 56 tinham como origem as cadeias fluminense­s. Santa Catarina e Mato Grosso do Sul estavam na segunda e terceira colocação, com 31 e 29 presos.

Ainda de acordo com o levantamen­to, cerca de 70% não estudaram ou cursaram apenas até a 8ª série. A maioria dos presos no sistema já foi condenada por roubo e tráfico de drogas. (FL E RV)

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