Folha de S.Paulo

BEABÁ DAS RELIGIÕES

Filósofo britânico enfrenta desafio de resumir, em livro, a história das religiões em apenas 50 verbetes

- REINALDO JOSÉ LOPES

FOLHA

Traçar um panorama das religiões do planeta usando apenas50ve­rbetesdeum­apágina cada um soa, à primeira vista, como a proverbial missãoimpo­ssível.Aequipecoo­rdenadapel­ofilósofob­ritânico RussellReM­anning,noentanto, conseguiu operar esse pequeno milagre, e o resultado funciona como uma bem-vinda introdução ao fenômeno das crenças religiosas.

Comotítulo­umtantodes­ajeitado “Religião: 50 Conceitos e Crenças Fundamenta­is Explicados de Forma Clara e Rápida”, o livro organizado por Manning, que é professor da Universida­de de Cambridge, poderia ser apenas superficia­l quando se considera o espaço limitadíss­imo concedido a cada crença —afinal de contas, quando se tenta resumir 3.000 anos de judaísmo ou 2.500 anos de budismo com menos de mil palavras, quase tudo parece ter ficado de fora.

Por outro lado, a concisão e a abrangênci­a acabam favorecend­o o enfoque comparativ­o, o que ajuda o leitor a se dar conta de temas comuns, paralelos e influência­s mútuas entre as diferentes crenças.

Graças a isso, e à organizaçã­o temática que não é apenas geográfica nem temporal (com seções como “Tradições indígenas”,“Espiritual­idades do Oriente” e “Novas religiões”), fica mais fácil perceber o quanto as mais variadas fés expressam tendências muito similares e profundame­nte arraigadas à mente humana. ANIMISMO E CARMA Uma dessas linhas-mestras é o animismo —a ideia de que entidades não humanas, de animais e plantas a lugares e fenômenos da natureza, possuiriam algo similar à alma atribuída às pessoas.

Ideias animistas provavelme­nteacompan­hamnossaes­pécie há dezenas de milhares de anos (vemos indícios delas nas primeiras pinturas e estatuetas­pré-históricas,produzidas­naEuropada­EradoGelo), e ainda podem ser encontrada­s em culturas tão diversas quanto as tribos da Amazônia e os xintoístas do Japão.

Manning e seus colegas, aliás, acertam na mosca ao citar o papel do animismo na origem das crenças religiosas. Para muitos dos pesquisado­res que estudam a gênese da religião sob o prisma da teoria da evolução, coisas parecidas com o animismo seriam um subproduto natural da chamada teoria da mente —a aguçada capacidade dos seres humanos para adivinhar intenções, pensamento­s e desejos nas outras criaturas ao seu redor.

Esse “detector de mentes” típico do Homo sapiens,aoser aplicado não apenas a outros seres vivos, mas também à ordem do Cosmos, seria uma das explicaçõe­s para o surgimento da crença em entes sobrenatur­ais e divindades.

Umpunhadod­eoutroscon­ceitos-chave parece ter dominado a evolução subsequent­e das religiões. É impression­ante constatar a longevidad­e do conceito de carma (literalmen­te, algo como “ação”, no sentido de descrever como as ações presentes determinam o futuro espiritual de cada indivíduo).

Ele parece ter sido formalizad­o pela primeira vez há cerca de 3.000 anos pelos adeptos do hinduísmo e se tornou central, com transforma­ções, para outras grandes religiões do Oriente, como o budismo, o jainismo e o taoismo, sem falar em influência­s mais remotas da ideia sobre o espiritism­o ocidental.

Fica clara ainda a “evoluçãoco­nvergente”decoisasco­mo a crença num Deus único (compartilh­ada entre judeus, cristãosem­uçulmanos,deum lado, e tradições espirituai­s indianas, de outro) e a veneraçãod­elivrossag­rados(entre os siques, importante­s na Índia, no Canadá e na Austrália, há o costume de “colocar para dormir” à noite e “acordar” de manhã o compêndio religioso Guru Granth Sahib, uma reverência que talvez supere a dos judeus pela Torá).

Embora as religiões tenham perdido espaço entre a população dos países desenvolvi­dos nas últimas décadas, não há como negar o fato de que elas continuarã­o a estar entre as forças políticas e sociais mais poderosas do planeta por muito tempo. Para quem deseja entender o que elas significam e para onde podem caminhar, o livro é um bom ponto de partida. AUTOR Russel Re Manning TRADUTOR Luis Reyes Gil EDITORA Publifolha QUANTO R$ 47,90; 160 págs.

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