Folha de S.Paulo

Voz de ‘Vaga Carne’ ecoa crise da representa­ção

- VALMIR SANTOS

FOLHA

A crise da representa­ção não é apenas política; é do sujeito, e o teatro já opera a partir dela há tempos. O solo “Vaga Carne” permite essa analogia quando suscita no espectador a busca por sentidos onde, a priori, não os há.

Daí o inusitado da deriva sobre o “nada absoluto” e regida por uma voz inquieta e ferina que ambiciona penetrar tudo que “vê”, da pele ao objeto, dessacrali­zando o corpo e o espaço. Nem personagem, nem narradora, manifesta-se sob diferentes formas e provocaçõe­s, ora metafísica­s, ora existencia­is.

Na ousada proposição não dramática, a atriz e dramaturga Grace Passô consegue pactuar uma brincadeir­a bem urdidapara­subvertern­oçõesde autoria, implodir significad­os e significan­tes até que essa voz diga a que veio e se vá.

Acompanham­os desilusões e percepções de mundo como quando a voz-corpo senta-se numa cadeira vaga na plateia, saracoteia em seu casaquinho de lantejoula­s ou vocifera uma palavra assoprada pelo público (naquela noite, “golpe”, repetindo-a).

Só é possível embarcar na experiênci­a porque Passô é espirituos­a na performanc­e de ser, não ser e desaparece­r. Presença solar já no breu da abertura, quando a “protagonis­ta”, oculta, sussurra a chegada e não demora a “ocupar” as paredes da cabeça da

 ?? Lenise Pinheiro/Folhapress ?? A atriz e dramaturga Grace Passô em cena de ‘Vaga Carne’
Lenise Pinheiro/Folhapress A atriz e dramaturga Grace Passô em cena de ‘Vaga Carne’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil