Ballet Stagium resiste à crise e se volta à própria história
FOLHA
Uma massa compacta de bailarinos bate os pés no chão. É o elenco do Ballet Stagium dançando um trecho de “Kuarup ou a Questão do Índio”, coreografia emblemática da companhia, incluída em “Memória”, que estreia na sexta (27) em São Paulo.
Apresentada pela primeira vez em 1977, no Theatro Municipal de São Paulo, “Kuarup” é considerada uma obra de resistência por expor, na época da ditadura militar, a matançadeíndiosbrasileiros.
A questão indígena continua tão atual quanto a da resistência, segundo Marika Gidali, 79, que divide a direção do grupo com o marido, Décio Otero, 82.
O Stagium (companhia privada de dança mais antiga do Brasil, fundada em 1971) quase fechou as portas no fim do ano passado.
“Resistir virou um estigma para gente. Nascemos em um momento complicado, durante a ditadura, sem um tostão, mas nunca paramos. Estamos vivendo uma fase muito difícil agora, negociando com bancos, com locador, com todo mundo. Resistência é uma palavra bonita, mas não tem a menor graça”, diz Gidali à Folha.
Com despesas fixas de cerca de R$ 70.000 por mês e há quase dez anos sem patrocínio, o Stagium quase não comemorou os 45 completados em 2016. Integrantes e amigosiniciaramumacampanha para arrecadar fundos por contribuições individuais.
Foram levantados cerca de R$ 4.000. O Stagium também vendeu dez espetáculos para escolas por meio do Sesc e recebeu o apoio da Associação Paulista dos Amigos da Arte para uma temporada no Sérgio Cardoso, em setembro.
Foi a pior crise econômica da companhia, mas mesmo assim foi montada uma nova obra, “Preludiando”, que será reapresentada em 2017. A coreografia foi desenvolvida a partir de prelúdios da obra do maestro e compositor Claudio Santoro (1919-89). MEMÓRIA A estreia do programa deste ano, “Memória”, é um resgate de cinco décadas de produção artística do Stagium e um passeio pela história da dança moderna brasileira.
Além de “Kuarup”, serão apresentados fragmentos de duas ou três coreografias por década, escolhidas por Otero entre as 80 obras montadas pela companhia desde 1971.
MARIKA GIDALI
diretora do Ballet Stagium
Foram incluídos no espetáculo trechos da inaugural “Dessincronias” (1971), de “Coisas do Brasil” (1979), uma das mais explícitas da fase de crítica social, “Batucada” (1980), união das linguagens das danças populares e clássicas, “Tangamente” (1996), incursão pela latinidade, e “Adoniran” (2010), da fase de coreografias com grandes nomes da MPB, entre outras. HISTÓRIA Acompanhando este resgate, a diretora levantou um dossiê da produção da companhia. Páginas e páginas de um caderno escrito à mão mostram os dados de cada espetáculo (público, locais e números de apresentação etc.) e de outras atividades do grupo, como o projeto Joaninha, que oferece aulas a alunos de escolas públicas de São Paulo, e o programa junto a Febem (atual Fundação Casa) de dança para os menores internos na instituição.
A batalha para preservar a história da companhia corre junta à luta para sobreviver: além de continuar a campanha para arrecadar fundos, o grupo colhe assinaturas para uma petição pública pedindo o reconhecimento do Stagium como Patrimônio Cultural Brasileiro.
“vivendo uma fase muito difícil agora, negociando com bancos, com locador, com todo mundo. Resistência é uma palavra bonita, mas não tem a menor graça”
QUANDO sex. (27) e sáb. (28), às 21h30; dom. (29), às 20h ONDE Teatro J. Safra, r. Josef Kryss, 318, tel. (11) 3611-3042 QUANTO deR$20aR$50 CLASSIFICAÇÃO livre