A perda precoce de Waly, vítima de um tumor no intestino aos59anos,demorouaserassi-
lhada com especialistas. Salomão suspende a conversa sobre suas leituras e esclarece: “Não curto psicanálise. Chegando ao Rio, um dos maiores sustos que tomei foi ver que todo mundo ia ao analista. É uma bola de neve chata”. Abriu uma exceção no fim do casamento com a videomaker Sonia Miranda. “O psicanalista começou a falar tanta idiotice que eu saí pior do que cheguei.” IRMÃO milada. O irmão é uma ausência em suas noites. “Waly era a pessoa mais presente em minha vida desde criança. Crescemos, as paixões ficaram aceleradas, tivemos momentos de muito ódio e de muito amor. Inevitável. Mas sempre juntos. Quando Waly foi embora, a gente estava reafirmando a amizadedenovo,depoisdeumtempo de guerrinha”, lembra. “Eu tive que segurar muitas capembas da família. Tanto que eu só fui chorar a morte de Waly quatro meses depois. Um dia senti uma energia súbita. ‘O que é isso?’ Saíram umas lágrimas quentes dos meus olhos. Pulavam as gotas.”
Na exposição “No Meio de Tudo Isso”,aamizadecomHélioOiticica (1937-1980) se encarnava no vídeo da performance “Call me Helium”, criadaem1974pelosirmãosAndreas e Thomas Valentin em homenagem ao artista plástico e montada somente em 2014 no Rio. Inflado com gás hélio, um balão vermelho despontou na praia de Ipanema e no Centro Cultural Correios.
À frente das duas performances, Jorge Salomão assumiu a camisa de Oiticica, que o chamava de Blanche desde que viu o baiano imitar, na Times Square, uma cena de Estelle Parsons, a intérprete de Blanche Barrow em “Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Balas” (1967).
Apesar de ter iniciado uma carreira promissora como cenógrafo e diretor de shows —“Luiz Gonzaga Volta pra Curtir”, de 1972, é memorável—, Salomão decidiu migrar para Nova York em 1977, bodeado com uma prisão sofrida em São Paulo quando integrava um coletivo de happenings.
Ficou até 1984 nos Estados Unidos, onde trabalhou como barman, pintor de parede, organizador de mudanças e carregador de caixas de tomate. Oiticica era o companheiro de café na Sexta Avenida. Por mais de uma vez, Andy Warhol passou na calçada oposta, carregado de eletricidade. “Lá vem a barata descascada que você adora”, anunciava o artista, ranheta. Salomãoaumentavaavoltagemda rua, num grito capaz de abafar o som dos carros: “Warhoooooool!”.
“Minha vida mudou em Nova York. Eu uni pontos do que eu queria, as opções melhores de linguagem e os acontecimentos de vanguarda que me interessavam”, afirma o poeta.
Seu filho com Sonia, João, 37, nasceu no Rio e continua a residir nos EUA. “Energético, intuitivo, alegre, profundo, meu pai é um alquimista de palavras, uma pessoa que vive para a arte”, derrete-se João, que virou o artista plástico Pixote, autor do grafite na fachada da casa paterna bem como da capa de “Alguns Poemas e + Alguns”.
Memórias, vá lá, desde que olhandoparaofuturo,enfatizaJorge Salomão, impaciente com amigos que telefonam só para lembrar dos velhos tempos. Nesses casos, é quase certo que zombará depois da ligação: “É uma senhora idosa”.
Sente-se mais interessado pelos mistérios do destino. Numa tarde de Ipanema, o poeta pega um jornal e vai direto ao signo escorpião. “Se depender das estrelas, você tem tudo para encher o bolso hoje”, garantia o horóscopo. “Ave Maria!”, Salomão festejou. “O dinheiro como uma armadura é triste. Mata. Ficar sem alma, sem afetividade, sem coração aberto? Não tenho dinheiro. Eu vivo de malabarismos. Ganho uma merreca aqui, outra ali, mas o essencial é viver e lutar.”
Naquele dia, cozinhou um frango com quiabo, cheio de fé, porque “quem come quiabo não pega feitiço, dizia Mãe Menininha do Gantois”. O dinheiro do horóscopo não caiu do céu, mas, por sorte, ele reencontrou o texto autobiográfico “Parecer”, que ficou empapado num alagamento. Passou a folha e pediu para ser lido em voz alta: “Não tenho talento para performances acadêmicas. Sou uma pessoa livre. Não pertenço e nem participo de sociedade nenhuma. Digo sociedade, ou seja, cânones que querem petrificar a vida”.