Folha de S.Paulo

OPINIÃO Empreender significa lidar com certo grau de incerteza

- JULIANO SEABRA

FOLHA

Empreended­ores brasileiro­sbrindaram­aviradadea­no novamente sob o signo da incerteza. Eles terão de planejar ações, alocar investimen­tos e decidir sobre contrataçõ­es e demissões sem clareza sobre o que está à frente em termos políticos ou econômicos. Mas essa angústia não pode paralisá-los.

Até há algumas semanas era mais forte a expectativ­a de que 2017 fosse marcado pelo início de uma retomada na economia, após mais de dois anos de recessão. Mas, dada a incerteza sobre o fôlego do governo e sua força para aprovar as medidas necessária­s para destravar os negócios, a perspectiv­a fica cada vez mais incerta.

Diante disso, o que o empreended­or faz? Senta, espera e torce para a maré baixar logo? Não. Primeiro, porque empreender exige lidar com umcertogra­udeincerte­za—e de certo modo gostar dela. Pode ser mais saudável parar de reclamar e começar a agir.

Uma pesquisa feita pela Endeavor e pelo Datafolha com quase mil empreended­ores em 2016 identifico­u que aqueles que estão à frente de empresas que crescem mais tendem a encarar a crise de forma diferente.

A maioria, que não cresce, crê que a crise influencia em 60% dos resultados, e a competênci­a da empresa é responsáve­l pelos outros 40%. Já os que estão crescendo muito acham o oposto —seus resultados são obtidos majoritari­amente pelo esforço da própria companhia.

Então esse é o momento de arrumar a casa e deixá-la mais preparada para quando a bonança voltar (seja quando for que isso aconteça). Se o empreended­or demorar para se preparar para esse momento, pode perder o bonde.

Por exemplo: há uma tendência de queda nas taxas de juros. Talvez seja o momento de conversar com os credores e renegociar suas dívidas, obtendo índices mais favoráveis. A crise faz com que existam bons profission­ais disponívei­s, fornecedor­es mais dispostos a negociar e indústrias com capacidade ociosa propensas a oferecer condições melhores.

É hora também de olhar para dentro —sua estrutura de custos, o seu time, a ofertadepr­odutos.Comosermai­s eficiente? Quais produtos resolvem problemas reais dos consumidor­es e compensam o investimen­to? Esse exercício de autoanális­e pode ajudá-lo a se concentrar no que gera mais resultado.

Muitos clientes estão em busca de coisas mais baratas, então quem oferece uma boa soluçãopar­aosproblem­asreais por uma quantia razoável dificilmen­te vai deixar de vender.

ONetflixdo­brouseunúm­ero de assinantes no Brasil de 2015 para 2016 e já fatura mais que a segunda maior operadora de TV paga no país. Pudera: por cerca de R$ 20, o serviço de vídeo online resolve a vida da população que quer ver séries e filmes sem desembolsa­r muito dinheiro.

E, para lembrar, o Airbnb, que permite que pessoas gastem menos em hospedagem, e o Uber, com a promessa de economia no transporte, nasceram durante a crise de 2008 nos Estados Unidos.

Essaideiaé­clichê,masnão deixa de ser válida: crises são oportunida­des para inovação. E isso não exige, necessaria­mente, dinheiro. Uma troca de ideias entre a equipe e uma conversa com clientes podem gerar melhorias nos produtos ou no marketing que não exigem gastos.

Em um ano, empreended­ores apoiados pela Endeavor cresceram 22%, enquanto o PIB caiu mais de 3%. Analisando as razões desse desempenho, é possível verificar que essas companhias têm alguns traços em comum.

Todas resolvem um problema que as pessoas ou as empresas efetivamen­te tenham. Ao resolver essa dor de forma única e melhor do que os concorrent­es, esses empreended­ores abrem uma avenida de cresciment­o.

Se esse não for o seu caso, caro leitor-empreended­or, pense em como adicionar valor para o cliente de uma forma diferente: com um modo de se relacionar com ele que seja exclusivo seu. É difícil conseguir isso se a atenção estiver dispersa entre milhares de produtos —em tempos de enxugament­o, procure se concentrar naquilo que o torna único.

Se o Ano-Novo lhe aflige, saiba que não está sozinho. A recessão, a incerteza sobre o Brasil e velhos conhecidos, como a burocracia, afetam todos os empreended­ores. O que cada um decidir fazer em meio a esse cenário é o que os diferencia. Prepare-se para agir. JULIANO SEABRA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil