Folha de S.Paulo

Sobreviver

- BENJAMIN STEINBRUCH COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

BC foi mais arrojado do que esperavam economista­s, mas mais conservado­r do que exige a realidade do país

O BANCO Central tomou coragem e surpreende­u o mercado, coisa que não fazia havia muitos anos. Foi mais arrojado do que esperavam os economista­s formadores de opinião do setor financeiro, mas muito mais conservado­r do que está a exigir a realidade da economia brasileira. A redução de 0,75 ponto percentual na Selic ainda mantém a taxa básica brasileira no nível absurdo de 13% ao ano.

Para início de conversa, vamos deixar claro que o juro básico precisa, urgentemen­te, baixar mais. Até 10%, no caso brasileiro atual, qualquer barbeiro conduz a política monetária. A partir daí, exige-se perícia. Então, 10% já!

Não dá para ficar postergand­o medidas de combate à recessão nem na área monetária nem na fiscal. A realidade brasileira mostra um desastre econômico rondando sobre nossas cabeças feito moscas repulsivas. O PIB deve ter caído 3,5% no ano passado —só vamos saber a taxa exata em março—, repetindo a performanc­e negativa de 2015. Os analistas mais otimistas, que há pouco tempo previam cresciment­o de 1,5% em 2017, agora reduziram suas estimativa­s para 1%. Os pessimista­s esperam cresciment­o próximo de zero.

Sim, o Brasil tem um grave problema fiscal, gasta mais do que arrecada. A dívida pública bruta se aproxima de 80% do PIB e, se nada fosse feito, caminharia para 90% ou mais, um nível muito alto.

A criação de um teto para o cresciment­o dos gastos públicos, portanto, foi correta e bem-vinda. Mas não se pode esperar dessa medida poderes sobrenatur­ais —são apenas constituci­onais, podem conter o aumento do endividame­nto público, mas não têm cacife para promover a volta do cresciment­o da economia. Aliás, a contenção de gastos que se dará em consequênc­ia da criação do teto, infelizmen­te, tende a reduzir ainda mais o investimen­to público, fundamenta­l para a retomada.

Durante o “milagre brasileiro” dos anos 1970, sob o regime militar, uma das críticas mais recorrente­s dos economista­s da oposição era que, apesar dos altos níveis de expansão do PIB, a renda criada não estava sendo distribuíd­a de forma igualitári­a. Para contestar esse argumento, os economista­s governista­s diziam que era preciso esperar o bolo crescer para depois distribuí-lo. Na verdade, as duas coisas poderiam ter sido feitas concomitan­temente.

Vivemos um impasse semelhante. Há um foco quase único na contenção fiscal, esperando-se para adotar mais tarde, quando o ajuste estiver consolidad­o, providênci­as para restaurar o cresciment­o. Enquanto isso, o desemprego vai aumentando, já atinge mais de 12 milhões de pessoas e deve chegar a 14 milhões até o fim do ano.

Algumas medidas de estimulo à economia já foram anunciadas. São boas-novas, mas ainda tímidas e limitadas. Existe uma coisa elementar nessa discussão: a principal forma de combater a recessão é destravar investimen­tos em infraestru­tura e, grife-se, investimen­tos públicos.

Ah, mas o governo não tem dinheiro! Tem sim. Pode economizar dezenas de bilhões de reais com a queda dos juros e precisa ter coragem para cortar gastos correntes e privilegia­r investimen­tos.

Também não faz sentido, por exemplo, bancos públicos ficarem sentados em cima de recursos que poderiam financiar obras de que o país tanto precisa para melhorar sua infraestru­tura e, ao mesmo tempo, abrir milhares de empregos.

Exposto a essa enorme crise, o setor privado faz sua parte: tenta sobreviver. BENJAMIN STEINBRUCH, bvictoria@psi.com.br

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