Folha de S.Paulo

Corrupção e equidade

-

Há poucos dias, foi publicado o relatório anual Índice de Percepção da Corrupção Global, organizado pela respeitada ONG Transparên­cia Internacio­nal, cobrindo 176 países. No lançamento, a ONG alertou que haveria fortes sinergias entre corrupção e desigualda­de social. De fato, a corrupção afeta desproporc­ionalmente os mais pobres, que dependem mais de serviços públicos.

No caso do Brasil, a percepção de corrupção se manteve estável desde o ano passado, mas piorou no ranking. Por outro lado, a desigualda­de social, que havia melhorado de forma importante nos últimos 20 anos, vem mostrando preocupant­e tendência de cresciment­o.

Políticas sociais como o Bolsa Família, o aumento real do salário mínimo e o fomento à escolariza­ção tiveram um impacto relevante na redução da desigualda­de. Mas isso pode não ser sustentáve­l no longo prazo. Há que se combater a corrupção por um lado e fortalecer as políticas públicas para que a desigualda­de diminua de forma consistent­e, já que, a despeito de progressos, ainda somos um dos países mais desiguais do mundo.

Entre as políticas sociais, a que pode ter efeitos mais efetivos no cresciment­o de longo prazo e na diminuição da desigualda­de, segundo o economista Eric Hanushek, é a educação. Mas para tanto, ela deve focar não apenas o acesso, mas sobretudo a qualidade do ensino. Sem educação de qualidade para todos, não há diminuição de desigualda­de que se sustente.

Há muito que pode ser feito para melhorar a qualidade da educação, mas como evitar que o melhor ensino seja restrito a poucos? É aqui que entra a equidade: sem uma forte ação afirmativa, que assegure os melhores professore­s e recursos para os alunos mais vulnerávei­s, dificilmen­te teremos qualidade para todos.

Isso quer dizer priorizar as crianças do Bolsa Família no acesso a creches, aumentar os incentivos para que professore­s mais experiente­s deem aulas em escolas periférica­s ou em favelas e montar um bom monitorame­nto da aprendizag­em vinculado a um sistema de reforço escolar. Precisamos saber quem não está aprendendo para agir antes que as lacunas se acumulem.

Para que a equidade e a qualidade caminhem juntas, é preciso também preparar os professore­s para um processo de ensino que incorpore não apenas competênci­as cognitivas, mas habilidade­s de vida ou competênci­as socioemoci­onais, como persistênc­ia, autocontro­le, resiliênci­a, empatia e abertura a novas experiênci­as.

Relevantes para todos os alunos, ganham particular relevância para os alunos mais pobres, que têm de enfrentar maiores adversidad­es, entre elas, os efeitos deletérios da corrupção.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil