Folha de S.Paulo

Simplifica­r para crescer

- PEDRO LUIZ PASSOS sextas-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna. COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo: Samue

A INTENÇÃO do governo de apoiar o movimento no Congresso para desatolar a reforma tributária, conforme anunciado pelo presidente Michel Temer, traz alento cauteloso à economia. Nas últimas décadas, promessas de desembaraç­ar o nó tributário fracassara­m por não conciliar os interesses envolvidos na partilha da arrecadaçã­o entre os entes federativo­s e do ônus tributário entre os contribuin­tes.

A demora em equacionar o problema só acentua a sua urgência, conferindo-lhe legitimida­de para “furar a fila” das reformas, uma vez aprovada a PEC do Teto e já encaminhad­a a revisão das regras da previdênci­a.

A evolução da agenda tributária será decisiva para a retomada do PIB, pois ajudará a impulsiona­r o investimen­to, tanto de empresas já consolidad­as como de empreended­ores que aguardam um horizonte para levar adiante seus projetos.

Sem me estender quanto ao conteúdo, a proposta discutida na Câmara toca no ponto nevrálgico de qualquer reforma que pretenda provocar um efeito virtuoso: simplifica­ção e unificação dos impostos indiretos, como ICMS, IPI, PIS e Cofins.

Do jeito atual, o cruzamento de impostos, alíquotas, bases tributávei­s e regimes diferencia­dos gera uma teia enigmática, complexa e cara para as empresas. Recorro ao setor de cosméticos, em que atuo há décadas, para ilustrar o caos tributário.

O PIS/Cofins possui dois regimes, dependendo do produto. Num regime, o tributo é recolhido em todas as etapas da cadeia de produção e vendas. No outro, incide apenas na etapa de fabricação.

Outro tributo importante, o IPI tem alíquotas que vão de zero a 42%, sem justificat­ivatécnica­parataldis­persão, e duas bases de cálculo conforme o regime atribuído ao produto.

Já o ICMS, cuja apuração se baseia em variáveis como o Estado de destino e de origem e é regido por 27 legislaçõe­s, uma para cada unidade da Federação, é mais assunto para a ciência das patologias mentais do que para a economia.

Mais: o regime da substituiç­ão tributária, exigida para o último elo da cadeia produtiva, é regulado por regimes especiais entre a empresa e cada fisco estadual, que determina de modo arbitrário a margem da operação e, portanto, a base de cálculo do ICMS.

Chega-se ao absurdo de um mesmo produto ter carga tributária diferente a depender do modelo escolhido para sua distribuiç­ão. Ou seja, há tratamento fiscal desigual para mercadoria absolutame­nte idêntica.

Resumo: todas as combinaçõe­s possíveis geram para a Natura, da qual sou conselheir­o, 9.450 diferentes regras para pagamento de suas obrigações fiscais. E há exemplos mais graves em outros setores.

A complexida­de tributária estabelece­u uma espécie de darwinismo no universo empresaria­l, vitimando, sobretudo, organizaçõ­es ainda sem fôlego para arcar com as obrigações exigidas pela legislação.

Inicia-se, assim, um círculo vicioso. Para compensar os estragos do emaranhado de impostos, criam-se paliativos, que por sua vez geram novas distorções e agravam a irracional­idade do sistema, com elevado custo fiscal. O Simples é um exemplo. Este caos lembra o “Samba do Crioulo Doido”, de Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo do grande jornalista Sérgio Porto).

Medidas simplifica­doras, como redução no número de alíquotas e sua uniformiza­ção, são possíveis e poderiam ser agilizadas. A tecnologia disponível permite iniciativa­s como essas sem prejuízo à arrecadaçã­o.

Isso facilitari­a a vida dos contribuin­tes, reduziria os contencios­os judiciais e traria ânimo e segurança aos investimen­tos. Afinal, ninguém supõe que a burocracia e os políticos sintam prazer em atazanar a vida dos brasileiro­s. Ou não?

Ou se acaba com o caos tributário no país ou a retomada da economia não terá o vigor necessário

PEDRO LUIZ PASSOS,

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