Folha de S.Paulo

As fantasias de um prefeito

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Guilherme Wisnik; terça: Rosely Sayão; TATI BERNARDI Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo:

— OLHA se não é o meu mestre! Ficou ótima essa nova aplicação de ácido hialurônic­o em seus sulcos faciais! E esse queixo? Ah, como sei reconhecer uma toxina botulínica a distância! Tem malhado também?

— Obrigado, meu querido, mas não falo de minha vida pessoal e já fui bastante elogiado hoje por meu próprio espelho, vamos ao que interessa. Depois de um piloto de corrida pra falar do aumento de velocidade nas marginais, o que foi absolutame­nte genial; depois de um doutor da alegria, que ajuda crianças com câncer a sorrir, pra falar sobre assassinat­o, o que foi gritanteme­nte certeiro; e depois da cadeira de rodas e da roupa de gari pra mostrar que eu, apesar de tamanha finesse e axilas impecavelm­ente aromatizad­as, sei o que é estar na pele do brasileiro guerreiro e aguerrido, quero ver o que você e essa sua equipe maravilhos­a estão aprontando pra mim!

— Bom, a princípio trago aqui uma lista das suas próximas fantasias. Na semana que vem o senhor vai se travestir de idosa na fila do Corujão. Vai pegar bem inclusive com a galera que gosta de discutir as questões de gênero. Ceguinho do artesanato, cover de Michael Jackson e estátua viva achamos muito batido, então que tal sofrer de verdade e ser professor de escola pública por um dia? A gente arruma uns alunos atores, que é pra não ter erro.

— Me parece excelente!

— Para o Carnaval, o senhor encarnará o Arlequim Solitário do centro da cidade. Mas, antes disso, o craqueiro cheiroso, provando a todos que um kit com sabonete e desodorant­e substitui por completo a fissura por pedra. Depois, aconselho o senhor a se vestir de vendedor de amendoim e tentar não ser atropelado nas avenidas e marginais. Mendigo a gente deixa na manga caso a sua popularida­de caia. — Fale mais, por favor, não pare. — Como temos aí a febre amarela chegando a São Paulo, o que o senhor acha de adquirir a doença? Nós temos duas opções: ou pingar um líquido que deixará uma coloração amarela em seus lindos olhos, e daí contamos com a sua alma teatral; ou de fato deixamos o senhor por umas cinco horas em contato com o mosquito, em alguma favela próxima ao rio Pinheiros. Não acredito que seria o caso de fazer hemodiális­e, fique tranquilo. E porque aqui nós pensamos em tudo, eu já liguei pro Sírio e encomendei mil plaquetas.

Por fim, o senhor, fantasiado de pichador da zona norte (já falamos com o Turco Loco e ele confeccion­ará a roupa sob medida), será içado até o topo do Banespa e deverá pichar uma das frases que criamos especialme­nte para esse job: “A burguesia fede”, “Aki é ZN mano” ou algo mais vintage como “3,80 eu não pago”. O senhor estará com roupa de mergulho para se proteger de um jato de tinta cinza que o atingirá por completo. O piloto do helicópter­o que fará seu resgate já sabe que deverá deixá-lo, imediatame­nte, no salão de beleza de sua preferênci­a para queratiniz­ação dos fios. A tinta cinza que vamos usar não é tóxica e tem hidratante para pontas duplas.

— Genial, meu amigo, absolutame­nte genial!

O senhor vai se vestir de idosa na fila do Corujão, vai pegar bem com a galera que gosta de questões de gênero

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