Folha de S.Paulo

Proibição gera mais violência e fortalece crime organizado

- FERNANDA MENA

A guerra contra as drogas tem se mostrado mais danosa, custosa e letal que o comércio e uso de drogas em si.

Sua baixa eficácia fica evidente quando se observa que o crime de tráfico de drogas é o que mais atulha os já superlotad­os presídios brasileiro­s e é o terceiro que mais mobiliza forças policiais do país —que prendem sobretudo por roubo, furto e tráfico, mas investigam apenas 8% dos homicídios cometidos no país, quase 60 mil por ano.

Além disso, o crime de tráfico há anos legitima ações militariza­das em comunidade­s dominadas por facções, tornando os extratos mais vulnerávei­s da sociedade reféns do terror de tiroteios, quando não eles mesmos vítimas de balas perdidas.

Ainda assim, nenhum indicador aponta diminuição do consumo de drogas aqui. Ao contrário: o Brasil se tornou o segundo maior consumidor do mundo de cocaína e derivados, como o crack.

Por outro lado, a experiênci­a internacio­nal na descrimina­lização do uso de drocializa­ção? gas (em vigor em países como Alemanha, Colômbia, México e Portugal, entre outros) aponta que ela tem pouco ou nenhum impacto no consumo, ou seja, não faz explodir seu uso como se teme.

A medida também não aumentou as mortes por overdose nem a incidência de doenças mentais, e ainda aproxima usuários problemáti­cos do sistema de saúde e evita que caiam na Justiça — que drena recursos e vidas.

A esses resultados, porém, soma-se uma contradiçã­o: se portar drogas não é crime, como pode ser crime sua comerEm Se desconside­rarmos o caso da maconha cultivada para consumo próprio, como a substância foi parar no bolso de alguém?

A regulament­ação do mercado de drogas não é uma panaceia, mas parece ser a chave para amenizar esses problemas: liberaria forças policiais para a atuação em crimes mais graves, descongest­ionaria a Justiça e desafogari­a o sistema penitenciá­rio, para que fosse possível ressociali­zar presos, além de retirar recursos financeiro­s e humanos do crime organizado.

Existem hoje duas experiênci­as em curso, restritas à maconha: no Uruguai e em oito Estados americanos, que legalizara­m o mercado para uso recreativo por adultos.

EmWashingt­on,porexemplo, a prisão por posse de maconha caiu 98% desde a mudança, e as projeções de impostos com a venda atingiam US$ 270 milhões em 2016 — dinheiro carimbado para ações como prevenção ao abuso de drogas nas escolas.

Apesar das evidências, é um desafio pensar fora do paradigma proibicion­ista, que tem mais de cem anos. Mas vale lembrar: estudos apontam que a droga que mais causa danos ao usuário e a terceiros é o álcool, vendido em qualquer esquina. Alguém ouviu falar em proibi-lo?

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