Albert Serra deixa presepadas e faz seu primeiro filme digno
FOLHA
Em alguns casos, a ideia de autor mais atrapalha do que ajuda. Vemos um filme condicionado pelo que o autor fez anteriormente e esquecemos de nos ater ao filme. É o que pode acontecer com o diretor catalão Albert Serra.
Seus trabalhos normalmente abusam de uma lentidão artificial, numa radicalização trôpega do estilo de Andrei Tarkóvski e Sharunas Bartas, preguiçosamente burilada para impressionar plateias de festivais internacionais.
Não só as plateias, digase. Seu longa anterior, “História da Minha Morte”, ganhou o Leopardo de Ouro no prestigiado Festival de Locarno de 2013.
Mas de algum modo, em “A Morte de Luís 14”, seu longa mais recente, encontramos uma adequação. A começar pelo veterano JeanPierre Léaud, ator símbolo da “nouvelle vague” (que por cinco vezes foi o alter-ego de François Truffaut), como o Rei Sol em seus últimos dias de vida, ao lado de seus cachorros e súditos.
O rosto de Léaud nos mostra uma longa e lenta agonia. O ator incorpora a condição do personagem de tal forma, com uma presença tão forte e constante, que conduz, também, o tempo de todo o filme. Calhou, felizmente, que esse tempo combina com o de Serra.
O diretor baseou-se nas memórias do filósofo francês Saint-Simon e do marquês de Dangeau (este um contemporâneo de Luís 14) para escrever o roteiro com Thierry Lounas e, pela primeira vez, chegou perto de uma verdadeira aclamação crítica. Para a crítica espanhola, por exemplo, esse longa foi um dos melhores lançamentos de 2016.
Claro que há certo exagero nessa apreciação. Mas é inegável que desta vez, auxiliado pela direção de fotografia rigorosa e precisa de Jonathan Ricquebourg, Serra finalmente fez um filme digno, longe das presepadas que costuma cometer em nome de uma suposta liberdade artística. (LA MORT D EL OUI S14) DIREÇÃO Albert Serra ELENCO Jean-Pierre Léaud, Patrick d’Assumçao e Irène Silvagni PRODUÇÃO Portugal/França/Espanha, 2016, 12 anos QUANDO em cartaz AVALIAÇÃO bom