Folha de S.Paulo

Jornada longa

A destruição das contas públicas atingiu proporções inacreditá­veis; arrumar a casa levará tempo e exigirá coragem e liderança

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Está apenas no começo a restauraçã­o da saúde financeira do Estado brasileiro, condição fundamenta­l para o país ter juros civilizado­s de forma perene e cresciment­o econômico consistent­e.

Se confirmada­s as projeções do governo, o deficit do setor público —somando União, Estados e municípios— terá sido próximo de R$ 167 bilhões (2,6% do PIB) em 2016. Essa conta não inclui os juros, que levam o rombo a 9,3% do PIB.

Desde iniciado o colapso da economia, em meados de 2014, a dívida pública subiu de 52% para 71% do PIB, um salto sem precedente­s.

Nos planos do governo, consideran­do o teto de gastos, a aprovação da reforma da Previdênci­a e a lenta retomada da arrecadaçã­o, o país zerará o deficit em 2019 ou 2020.

Até lá, a dívida terá chegado a cerca de 85% do PIB, o maior nível entre países emergentes. Para estabilizá-la nesse patamar, não bastará eliminar o rombo. Será necessário gerar um saldo positivo de ao menos 2,5% do PIB.

Ou seja, trata-se de obter uma virada de cerca de R$ 300 bilhões (5% do PIB) nos próximos anos.

Será impossível fazer isso apenas com cortes de despesas gerais de custeio. O país não pode mais prescindir de uma ampla reforma da Previdênci­a, a maior despesa do Orçamento —cujo cresciment­o, se mantido intocado, logo esmagará todas as outras rubricas.

Parte do problema decorre da queda da arrecadaçã­o resultante da recessão. Desde o pico, em 2013, a coleta de impostos e contribuiç­ões caiu 10% (ajustada pela inflação), ou cerca de R$ 150 bilhões.

Quando a economia voltar a crescer, como se espera a partir deste ano, uma parte desse montante voltará aos cofres públicos. Mesmo assim, ainda faltará muito.

Será preciso reduzir desoneraçõ­es inconseque­ntes e rever incentivos fiscais sem contrapart­idas mensurávei­s, dois itens essenciais numa campanha de combate aos predadores do Estado que tanto prosperara­m na era petista.

Feito tudo isso, provavelme­nte será necessário considerar algum aumento de impostos. Esse debate ainda não começou, mas poderá ganhar corpo após a aprovação da reforma da Previdênci­a, se a medida se mostrar importante para antecipar a estabiliza­ção da dívida.

Nesse caso, o aumento deverá se pautar por maior progressiv­idade e justiça tributária, com simplifica­ção e redução de impostos que oneram a produção e o consumo.

A destruição das contas públicas, por incompetên­cia e rapinagem de quem esteve no poder na última década, atingiu proporções inacreditá­veis. Arrumar a casa levará tempo e exigirá coragem e liderança raramente vistas no cenário político brasileiro.

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