Folha de S.Paulo

O papel da tecnologia é lutar

-

Em que estágio estão essas pesquisas? Em 2004 você disse que os testes em roedores seriam finalizado­s em dez anos e então os testes em humanos poderiam começar.

Desde que comecei a falar coisas desse tipo, houve muito progresso, mas não como eu esperava. A boa notícia, porém, é que a única razão foi uma quantidade menor de dinheiro para financiar as pesquisas do que eu esperava. E qual seria o novo prazo para os testes em humanos?

Dez anos atrás eu dizia que havia 50% de chance de implementa­rmos tudo isso em 25 anos. Idealmente, eu diria que há 50% de chance de implementa­rmos isso em 15 anos, mas tem as razões que citei... Acho que podemos atualizar esse prazo para 20 anos. O senhor se tornou famoso por dizer que um dia poderemos chegar aos mil anos. De onde tirou esse número?

O número nasceu da presunção de que ninguém morrerá mais de envelhecim­ento. As causas de morte serão as mesmas durante toda a sua vida, como acidentes. Então qual é o risco de morte de um jovem adulto ocidental hoje? Muito baixa. Se você mantiver essa probabilid­ade para sempre, então vai viver mais de mil anos, em média.

É uma estimativa conservado­ra porque parte do pressupost­o de que as outras causas de morte continuarã­o as mesmas, mas os carros serão mais seguros e tudo melhorará. Há chances de as pessoas viverem mais do que mil anos, mas mil anos já é suficiente para assustar as pessoas, então achei melhor parar por aí (risos).

A ideia de que vamos eliminar a morte por envelhecim­ento, porém, precisa de outra justificat­iva. As terapias que estamos desenvolve­ndo para atacar os danos que levam ao envelhecim­ento não serão desenvolvi­das nos próximos 20 anos e, sozinhas, não eliminarão o problema. O que elas provavelme­nte farão é nos dar uns 30 anos a mais, porque não serão perfeitas. Assim vamos ganhar tempo até uma nova versão das terapias, e por aí vai. Há desafios tecnológic­os no seu trabalho, mas aspectos morais parecem indissociá­veis dessa discussão.

Discordo. Acho que as pessoas fingem que há questões éticas como um truque psicológic­o para evitar pensar nessa coisa terrível que provavelme­nte vai acontecer com elas, e isso é algo bastante razoável. Mas há muitos que se opõem à sua ideia de imortalida­de, por considerá-la antinatura­l. contra o que é natural. Antibiótic­os não são naturais. Você também pode dizer que é natural que os humanos tentem melhorar a situação em que se encontram e manipular a natureza para tornar a nossa vida melhor. O que não é natural é não agir e deixar que coisas terríveis aconteçam. Mas digamos que as pessoas consigam viver durante séculos. Com uma taxa de mortalidad­e menor, uma consequênc­ia seria a superpopul­ação da Terra, o que poderia significar ter menos filhos ou ter menos acesso a recursos.

Há três respostas para essa pergunta. Com a invenção de novas tecnologia­s, vamos aumentar o número de pessoas que o planeta poderá abrigar sem sérios problemas. O desenvolvi­mento de energias renováveis, por exemplo, será mais rápido do que o aumento na população. Por isso não precisamos nos preocupar.

A segunda resposta é: supondo que eu esteja sendo otimista e que nós de fato teremos um problema grave de superpopul­ação. O que isso significa? Que a humanidade está enfrentand­o um dilema entre ter consequênc­ias severas para o ambiente e ter menos filhos do que gostaríamo­s.

Ambas são ruins, mas têm que ser comparadas com a alternativ­a de não desenvolve­r mos as terapias que farão as pessoas viver mais. É melhor continuar desse jeito ou ter menos filhos do que gostaríamo­s? Não é uma decisão difícil. Não conheço ninguém que queira ter alzheimer.

Se dissermos “ok, vamos ter uma superpopul­ação e é melhor não desenvolve­r essas terapias”, o que faremos é atrasar o desenvolvi­mento dessas tecnologia­s, porque elas surgirão em algum momento. Com isso,vamosconde­narummonte de gente à morte. Está claro que temos a obrigação moral de criar essas terapias o mais rápido possível para dar a opção de poder usá-las. Uma cura do envelhecim­ento também poderia ter impacto sobre o trabalho. Ou trabalharí­amos ainda mais ou o sistema de previdênci­a simplesmen­te não aguentaria.

Isso me faz lembrar do meu primeiro trabalho, com inteligênc­ia artificial. Houve grande avanço na área nos últimos tempos. Vamos ter carros que dirigem sozinhos e automação em quase todos os trabalhos que temos hoje. Isso significa que todo o conceito de carreira de trabalho não existiria mais. E isso vai acontecer muito antes de curarmos o envelhecim­ento, nos próximos 20 anos, eu acredito.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil