Folha de S.Paulo

Vale investir em prefixado agora?

- MARCIA DESSEN COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo:

O GERENTE da minha conta bancária me ligou sugerindo investimen­to em taxa prefixada para colher ganhos com a taxa de juros em queda. Agradeci a iniciativa, mas não mergulhei de cabeça na sugestão dele. E explico por quê.

A taxa básica sofreu um corte de 0,75 ponto percentual na mais recente reunião do Copom e mudou de 13,75% para 13% ao ano. O presidente do Banco Central sinalizou que esse será o novo ritmo de redução dos juros. O mercado estima que chegaremos ao fim de 2017 com a taxa Selic no patamar de 9,5% ao ano.

Se você observa a Selic ainda em 13% e acredita que ela cairá para 9,5%, contabiliz­a uma queda de 3,5 pontos percentuai­s e um bom lucro no bolso se investir agora em taxa prefixada. Só que não é bem assim.

A taxa de juros prefixada praticada no mercado já caiu bastante no segundo semestre de 2016, antecipand­o que haveria cortes na Selic. No auge da crise de 2016, o Tesouro Prefixado, título que remunera taxa prefixada de juros, chegou a pagar 17% ao ano. Na sexta (27), pagava 10,41% nos títulos de dois anos e 10,88% nos títulos de seis anos.

Quem arriscou e comprou títulos prefixados a 16%, 15%, 14% ao ano já ganhou ou pode ganhar um bom dinheiro se vender agora com desconto de 10,41%. Ou manter o título até o vencimento e ganhar a taxa negociada, que deve ser superior à média da Selic. É possível afirmar isso porque é muito grande a diferença entre a taxa comprada e a atual.

Quem compra um título agora, entre 10,40% e 10,88%, só tem chance de ganhar se confirmada a queda continuada e acelerada da Selic. Qualquer reversão dessa tendência pode compromete­r a estratégia.

Ah, então vou investir em fundos de investimen­to que estão com as carteiras recheadas de títulos comprados com a taxa alta que não está mais disponível no mercado. Bom demais para ser verdade, não é assim que a banda toca.

Quem tem o direito de abocanhar os lucros? Você que está chegando agora, diante de um cenário definido de redução dos juros, ou quem arriscou e investiu há alguns meses? É evidente que só o segundo grupo tem o direito de se beneficiar dos ganhos.

Para garantir que somente os investidor­es que já estavam no fundo sejam beneficiad­os, os administra­dores de fundos são obrigados a marcar a mercado diariament­e os ativos da carteira. O mecanismo obriga que o valor de mercado do título seja apurado e contabiliz­ado. O valor da cota muda, para cima ou para baixo, refletindo a valorizaçã­o ou desvaloriz­ação dos ativos da carteira. O procedimen­to impede a transferên­cia de riqueza, ou seja, que os ganhos ou perdas de um grupo de investidor­es sejam transferid­os a outro grupo que pega o bonde andando e não tem nada a ver com a história passada.

Tudo isso pra dizer que quem investir hoje em ativos ou fundos que aplicam em taxa prefixada pode estar superestim­ando a perspectiv­a de ganho. Esqueça a rentabilid­ade passada. O ganho será a diferença entre a taxa atual e a nova taxa prefixada de mercado, seja ela qual for. Convenhamo­s que o espaço para especulaçã­o diminuiu bastante. Para ampliar os ganhos (potenciais), é preciso aumentar o risco, alongando o prazo ou alavancand­o posições com derivativo­s.

Ainda vale a pena investir? Sim, se você estiver otimista e acreditar que a taxa Selic, ainda no patamar de 13%, vai cair e rápido. Sim, para alocar somente parte de sua carteira e diversific­ar o risco. Sim, se você tiver a expectativ­a correta de ganho e ciência de que esse ganho pode se transforma­r em perda se algum fato novo acontecer e a trajetória da taxa básica mudar de rumo.

Não, se sua expectativ­a em relação ao cenário macroeconô­mico é menos otimista do que as projeções. Não, se o dinheiro investido é o da sua reserva financeira, que não pode ser exposto a riscos e precisa de liquidez diária. Não, se você não é capaz de entender que as aplicações em “renda fixa” não são fixas e oscilam entre a data da compra e a data de vencimento.

Ah, vale a pena lembrar que o mesmo raciocínio se aplica aos ativos atrelados a índices de inflação cuja parcela prefixada ganha valor na redução dos juros. O chamado “cupom” desses ativos, que chegou a 7% ao ano, está no patamar de 5,58% (2019), 5,59% (2024) e 5,51% (2035). Quanto mais longo, maiores o risco e a chance de ganhar se a taxa de juros cair.

Invista em taxa pré se achar que ela será superior à Selic média no período; caso contrário, não haverá ganho

MARCIA DESSEN, marcia.dessen@gmail.com

 ?? Fernando de Almeida ??
Fernando de Almeida

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil