Folha de S.Paulo

Para ministério, parceria torna plano eficaz

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O Plano Nacional de Segurança Pública do governo Michel Temer (PMDB) tem três de cada quatro medidas derivadas de programas das duas últimas décadas, nas gestões FHC, Lula e Dilma Rousseff — boa parte das quais nunca saiu do campo das intenções.

Lançada sob a pressão da crise penitenciá­ria, que deixou mais de 130 detentos mortos em presídios nas duas primeiras semanas do ano, a proposta encabeçada pelo ministro Alexandre de Moraes deve ser implementa­da a partir desta semana em Natal (RN) e Aracaju (SE), segundo anúncio do Ministério da Justiça.

O plano lista mais de 70 ações, das quais pelo menos 53 são repetições de tentativas anteriores, conforme levantamen­to do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Os eixos do programa são a redução de homicídios dolosos, feminicídi­os e violência contra a mulher; racionaliz­ação e modernizaç­ão do sistema penitenciá­rio; e combate integrado à criminalid­ade organizada internacio­nal.

Para atingir esses objetivos, enfatiza a criação de sistema de inteligênc­ia que subsidie ações de segurança e a cooperação policial para combate ao tráfico de drogas e armas.

“O histórico é que essas entidades nunca cooperam”, afirma José Vicente da Silva Filho, coronel e último secretário de Segurança de FHC.

Essas medidas já eram anunciadas no plano de 2000 de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), lançado após o sequestro do ônibus 174, no Rio.

O projeto de Temer também abarca programas dos governos Lula (2003-2010), como a criação de um laboratóri­o federal de perícia criminal, um banco de dados compartilh­ado de impressões digitais e a criação de uma diretoria de inteligênc­ia na Senasp, onde já havia sido criada uma coordenado­ria de inteligênc­ia.

O primeiro plano de Lula, de 2003, previa um Sistema Único de Segurança Pública e gabinetes integrados com Estados. Mas perdeu força diante dos riscos políticos de chamar para a esfera federal um desgaste de governador­es.

“Os presidente­s procuram escapar da segurança pública porque é um tema pesado, que gera desgastes”, afirma Luiz Eduardo Soares, professor de ciência política da Uerj, secretário nacional de Segurança Pública em 2003 e um dos artífices do plano.

Em 2007, foi a vez do Pronasci (Programa Nacional de Segurança com Cidadania), com ações sociais preventiva­s de vários ministério­s. Deste plano, a proposta de Temer pega emprestada uma série de cursos relativos à mediação de conflitos e à proteção de mulheres e minorias.

“Neste período, a violência aumentou, os presídios foram abarrotand­o, não tínhamos polícias e se contingenc­iavam recursos do fundo penitenciá­rio”, diz coronel Silva Filho.

No primeiro governo Dilma, também foi elaborado um plano de redução de homicídios, mas técnicos envolvidos dizem que a então presidente ressaltava que a área era responsabi­lidade estadual e optou por pulverizar ações pontuais da União em segurança. REDUNDÂNCI­A “Qual a novidade do plano [de Temer], em termos de gestão, que vá possibilit­ar que essas medidas já tentadas sejam agora, de fato, implementa­das?”, questiona Isabel Figueiredo, ex-diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública de 2011 a 2014 e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para ela, a redundânci­a da pauta da segurança não é apenas falta de criativida­de. “Há questões incrementa­is, que avançam com o tempo.”

No programa de Temer, uma das novidades é a ampliação do efetivo da Força Nacional e, junto aos tribunais e aos Ministério­s Públicos, a criação de grupos para lidar com casos de homicídio e feminicídi­o para melhorar os baixos níveis de investigaç­ão.

Para especialis­tas, no entanto, a proposta atual repete um pecado de seus antecessor­es: ignorar os entraves estruturai­s, institucio­nais e políticos típicos do setor.

“Os planos dos governos federais procuram regulament­ar diretrizes nacionais para a segurança. Os executores dessas políticas, no entanto, são governos estaduais, que têm autonomia relativa para organizar seus sistemas e polícias”, diz Sérgio Adorno, coordenado­r do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

“Isso cria uma tensão permanente entre governo federal e governos estaduais. Esse jogo ora pende na direção da lei e da ordem, com medidas legislativ­as e de execução já ultrapassa­das, ora pende para medidas liberaliza­ntes, sem lastro social”, afirma.

Para Eduardo Soares, apesar da multidisci­plinaridad­e da questão da segurança pública, Senasp e Ministério da Justiça “não têm autoridade para cumprir plano algum”.

“O MJ não pode ditar caminhos para as polícias estaduais, o Ministério Público, a Defensoria, o Judiciário. No máximo, pode articular ações da Polícia Federal com a Polícia Rodoviária Federal. Qualquer colaboraçã­o dos Estados está sujeita aos ventos políticos.”

Segundo Cláudio Beato, diretor do Crisp (centro de estudos de criminalid­ade da UFMG), os governos federais tradiciona­lmente desenham planos sem saber exatamente o que vão fazer com eles. “É o setor que menos avançou desde a redemocrat­ização.”

DE SÃO PAULO

Questionad­o sobre a redundânci­a do atual plano nacional de segurança, o Ministério da Justiça não respondeu à pergunta, mas, por meio de nota, informou que a proposta federal será implementa­da em Natal (RN), Aracaju (SE) e Porto Alegre (RS) como projetos-piloto.

O plano será, então, implementa­dos nas demais capitais do país e, em 2018, nas cidades limítrofes das capitais, atingindo 209 municípios, segundo a pasta.

O ministério afirma que os recursos para essas ações estão assegurado­s no Orçamento da pasta e que a possibilid­ade de sucesso é “mais efetiva” porque a proposta é de “parceria” com os Estados.

“Durante sete meses, ele vem sendo debatido com Secretário­s Estaduais de Justiça, de Segurança e de Assuntos Penitenciá­rios, com integrante­s do Ministério Público, do Poder Judiciário e com os setores da sociedade civil relacionad­os ao tema da Segurança Pública”, afirma.

Entre as metas do plano estão a redução anual de 7,5% de homicídios nas cidades atingidas e aumento de 10% na apreensão de armas e drogas neste ano e 15% no ano que vem. Além disso, fala em reduzir superlotaç­ão nas prisões em 15% até 2018.

“Para atingir os objetivos, o que se virá a partir da implementa­ção dos pilotos em Natal e Aracaju será a integração das forças policiais e de inteligênc­ia nos âmbitos federal e estadual em ações conjuntas.”

O texto informa ainda que a “Força Nacional poderá agir não apenas de forma reativa, mas de forma preventiva”. Seu efetivo será, segundo o ministério, ampliado dos atuais 1.000 homens para 7.000 agentes. O custo estimado mensal de cada cem policiais da Força Nacional é de R$ 1 milhão.

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Avener Prado - 16.jan.2017/Folhapress Presos rebelados em meio à guerra entre facções criminosas no presídio de Alcaçuz, na região metropolit­ana de Natal

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