Folha de S.Paulo

O segundo maior erro de Doria

- LEÃO SERVA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

O SEGUNDO maior erro da administra­ção Doria já aconteceu, o aumento do limite de velocidade nas marginais. Se for um bom prefeito, terá sido só um tropeço de iniciante; se for mau, passará à história como o primeiro de uma lista. Mas não será esquecido. Durante quatro anos, cada acidente que ocorrer nas duas avenidas será analisado sob o crivo de sua decisão; cada morte terá um cúmplice já identifica­do.

Entendo que Doria prometeu a medida na campanha e quis cumpri-la logo de cara, como Donald Trump com o muro no México. Sei também que a medida é popular: pesquisa da ONG Nossa São Paulo mostra que tem apoio de 54% dos paulistano­s. Mas se popularida­de fosse critério universal para o gestor público, Oswaldo Cruz não teria insistido em vacinar a população do Rio contra varíola apesar da Revolta da Vacina em 1904.

A redução de velocidade é impopular em todo o planeta, mas é adotada em nome da saúde pública, como parte do programa da ONU para diminuir a letalidade do trânsito. Diversos países estão reduzindo mortes. O Brasil está estagnado, mas sua maior cidade vem melhorando.

Há um aspecto irracional na medida: ela prejudica quem a defende, as pessoas que trafegam pelas marginais e acham que aumentar a velocidade permitida reduz a lentidão. A ciência mostra o contrário: a melhor “produtivid­ade” de uma via (quando leva mais carros mais rapidament­e de um ponto a outro) se dá em torno de 50 km/h. Quando os veículos aceleram mais, o motorista se distancia do carro da frente para não bater em caso de brecada súbita; e cabem menos automóveis por quilômetro de avenida. Essa foi a conclusão dos estudos do engenheiro russo Boris Kerner, a serviço da Mercedes-Benz, buscando aumentar o conforto dos consumidor­es.

Ninguém abominou mais Fernando Haddad do que os taxistas. Pois eles defenderam a preservaçã­o dos limites, por entender que foram benéficos. O que odiavam era a chamada “indústria da multa”, da qual se sentiam vítimas.

Pois a solução adotada pela prefeitura também poderá aumentar a percepção de “indústria da multa”. Para não potenciali­zar o risco de acidentes, foram estabeleci­dos limites diferentes dentro da mesma pista. Além de ser difícil medir e controlar, a diferença de velocidade entre faixas vai aumentar a confusão, chamada “turbulênci­a”, entre os carros que aceleram (para chegar à segunda pista) e desacelera­m (para passar à da direita ou virar numa transversa­l). Se a prefeitura punir o desrespeit­o aos 50 km/h, as multas vão multiplica­r; se não o fizer, vai incentivar o desrespeit­o e a medida não vai pegar, aumentando a inseguranç­a de motoristas nas transversa­is.

E qual é, então, o maior erro da administra­ção? O prefeito está chamando a atenção demais para si. Bernardinh­o, herói do nosso vôlei, não saca nem dá cortadas; Tite faz sucesso ao escalar a Seleção, mas não bate pênaltis. Aparecendo tanto, Doria põe sua digital em tudo que faz a prefeitura, inclusive as bobagens, como o erro no decreto sobre cobertores dos moradores de rua. Um bom líder, como Doria quer ser, deve dar liberdade aos secretário­s para serem protagonis­tas em suas áreas e, quando errarem, absorver os efeitos negativos de suas ações.

Aumento da velocidade das marginais prejudica até quem a defende e fomenta a “indústria da multa”

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