ANÁLISE Eclético e com tipo para vilões, John Hurt não esnobou Hollywood
Morto aos 77, ator britânico que pariu um ET em ‘Alien’ teve atuações marcantes como em ‘O Homem Elefante’
FOLHA
Numa carreira de mais de meio século, o ator britânico John Hurt, morto na sexta (27), aos 77 anos, de câncer no pâncreas, atuou em cerca de 130 filmes para cinema, 50 para TV, fez peças de Shakespeare, Harold Pinter e Tom Stoppard, foi dirigido por cineastas como Fred Zinnemann, John Huston, David Lynch, Michael Cimino e Alan Parker, e condecorado em 2015 com a Ordem do Império Britânico por sua contribuição às artes, mas será lembrado para sempre por ter parido um ET gosmento.
A cena de “Alien – O Oitavo Passageiro” (1979), de Ridley Scott, foi a mais marcante de uma carreira invejável: durante uma refeição, o personagem de Hurt começa a sofrer dores terríveis, deita na mesa e morre quando o alienígena sai de seu peito, para desespero de Sigourney Weaver e da tripulação da nave. Hurt tinha grande senso de humor e sabia que aquela imagem o marcou para sempre, tanto que a repetiu oito anos depois, numa versão esculhambada, na comédia “S.O.S. – Tem um Louco à Solta no Espaço”, de Mel Brooks. Desta vez, o monstro sai de seu peito e faz um número musical.
Desde o sucesso de “Alien” —e, um ano antes, de “O Expresso da Meia-Noite”, de Alan Parker, pelo qual foi indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante— Hurt, até então mais conhecido pelo público britânico, iniciou uma sólida carreira no cinema comercial de Hollywood, reforçada por sua incrível atuação em “O Homem Elefante” (1980), de David Lynch.
Coberto de pesada maquiagem, ele interpretou John Merrick, um homem deformado e exibido como atração de circo. Indicado novamente ao Oscar, perdeu para Robert De Niro em “Touro Indomável”, mas criou um personagem inesquecível, que levou David Lynch a declarar: “John Hurt é o melhor ator do mundo”.
Um dos melhores, com certeza, mas dono de um tipo físico franzino e um visual que lhe garantiu incontáveis papéis de vilão. Hurt costumava dizer que nenhum ator do cinema havia morrido em cena tantas vezes. Em 2012, postou no YouTube uma coletânea chamada “The Many Deaths of John Hurt” (“As Muitas Mortes de John Hurt”), com 40 cenas de sua própria morte, e ainda listou os tipos: “Morreu 11 vezes por tiros, nove por doença, foi esfaqueado quatro, cometeu três suicídios (...) teve o peito arrebentado duas e, uma vez, derreteu”.
Hurt era eclético e gostava de atuar em filmes de diferentes estilos. Era capaz de se entregar a um papel difícil e sombrio como o do Homem Elefante e depois fazer a comédia boba de Mel Brooks, “História do Mundo – Parte 1”. Em “1984”, interpretou Winston Smith na adaptação da homônima obra-prima de George Orwell, dirigida para o cinema por Michael Radford.
Não tinha preconceito contra o cinema comercial e ficou mais conhecido pelo grande público ao viver o Sr. Ollivander, dono da loja de varinhas mágicas em “Harry Potter e a Pedra Filosofal” (2001), papel que repetiu em “As Relíquias da Morte - Parte 1” (2010) e “Parte 2” (2011).
Um de seus melhores personagens no fim da carreira foi o de “Control”, chefe da Inteligência Britânica em “O Espião Que Sabia Demais” (2011), baseado no romance de John le Carré. Curiosamente, o protagonista ficou com um ator —Gary Oldman— que lembra muito Hurt: extremamente talentoso, eclético e famoso por grandes vilões.