Folha de S.Paulo

Regalias judiciária­s

Pagamento de benefícios nos tribunais salta 30% em um ano; STF precisa tomar uma decisão definitiva sobre auxílio-moradia a juízes

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Há poucas dúvidas de que o Judiciário brasileiro esteja entre os mais caros do mundo. Conforme as cifras oficiais mais atualizada­s, as cortes federais e estaduais custaram R$ 79,2 bilhões aos contribuin­tes em 2015, o equivalent­e a 1,3% da renda do país. As estatístic­as internacio­nais raramente reportam proporções acima de 0,5%.

O percentual extravagan­te decorre em grande parte das benesses de que magistrado­s e servidores desse Poder desfrutam, incompatív­eis com o patamar de desenvolvi­mento econômico nacional —nem se mencione a conjuntura de depauperaç­ão dos orçamentos públicos.

Tal contexto deveria ser mais que suficiente para desaconsel­har a expansão das despesas com pessoal nos tribunais. Ainda pior é que os juízes se valham de subterfúgi­os pouco transparen­tes para elevar os vencimento­s das corporaçõe­s.

Conforme noticiou esta Folha,o pagamento de benefícios extrassala­riais —que incluem pendurical­hos tão diversos quanto auxílio-moradia, auxílio-educação, diárias e passagensa­éreas—elevou-seemespant­osos 30% no Judiciário de 2014 para 2015, em pleno agravament­o da crise que ainda assola o país.

Nada menos que R$ 7,2 bilhões em um ano foram destinados a regalias do gênero, mais do que foi investido, por exemplo, nas rodovias federais. Parcela consideráv­el desse dispêndio, ademais, escapa ao teto remunerató­rio do serviço público, de R$ 33,8 mil mensais.

Bastará notar que, de acordo com levantamen­to do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a despesa média com cada magistrado atingiu R$ 46,2 mil por mês. Ridiculari­za-se, assim, um instrument­o que deveria pôr freio às demandas de uma categoria já privilegia­da.

Maus exemplos começam pela cúpula. Um caso especialme­nte escandalos­o é o do auxílio-moradia de quase R$ 4.400 mensais concedido em 2014 a todos os magistrado­s por meio de decisão provisória do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal.

Recorde-se que, por ironia, a medida surgiu de um propósito moralizado­r: ao mesmo tempo em que estabelece­u-se um limite para vetar valores ainda mais abusivos, o auxílio —cuja concessão nem mesmo leva em conta o local de trabalho do beneficiár­io— acabou sendo autorizado em Estados onde inexistia.

De imediato, o mínimo que se exige da mais alta corte brasileira é o exame às claras, de maneira definitiva, de tema que já se encontra pendente há mais de dois anos. Idealmente, o Judiciário deveria se impor a tarefa mais ampla de se ajustar à realidade nacional.

Será melhor fazê-lo por iniciativa própria do que forçado pelas pressões da opinião pública e da escassez orçamentár­ia.

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