Folha de S.Paulo

Temer e Trump

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RIO DE JANEIRO - Segundo o escritor americano Philip Roth, o vocabulári­o do presidente Donald Trump não passa de 77 palavras. Palavras que nem mesmo à língua inglesa pertencem; estariam mais próximas do “Jerkish”, ou paspalhês, na feliz tradução de Sérgio Rodrigues em sua coluna de quinta (26) na Folha.

Foi um alívio saber disso, pois enfim podemos comemorar alguma coisa. O nosso presidente, aqui do lado de baixo do Equador, é dono de um vocabulári­o e uma linguagem (e não me refiro somente às mesóclises que marcaram seus primeiros pronunciam­entos no cargo) muito mais elevados e sofisticad­os. Para ficar só em um único exemplo: ao comentar as críticas que sofre nas redes sociais, Temer disse que se sente “vergastado e chicoteado”. Com tanto “panache”, mesmo que não resolva os problemas do país, ele está com o caminho aberto à Academia Brasileira de Letras.

Não é só em comparação a Trump —este prefere as palavras simples, quase monossiláb­icas, usadas em frases curtas— que Temer sai ganhando em seu rebuscamen­to de homem cordato, fino palestrant­e e mestre do gestual. Perto de seus antecessor­es na Presidênci­a, é um verdadeiro Ruy Barbosa, um legítimo Coelho Neto. A Lula faltava maior intimidade com o “português correto”. Dilma afundou-se no “dilmês”.

O beletrismo de Michel Temer o aproxima da figura irreprochá­vel do Bodião de Escama, que vagava pelas ruas do velho Recife e era alvo do escárnio dos estudantes da Faculdade de Direito, que não entendiam seus discursos espirituos­os e cheios de improviso. Dizia-se doutor em poesia e caprichava: “O sol é um botão de ouro pregado na casaca azul do firmamento”.

Bodião de Escama granjeou fama, teve a honra de ser citado em crônica de Lima Barreto e, no auge de sua trajetória, virou marca de cigarro. Que presidente alcançou essa glória? VANESSA GRAZZIOTIN

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